ILSI em Foco – outubro/2021 – entrevista

Alimentação saudável, segurança alimentar e alimentos seguros orientam a conversa para o Dia Mundial da Alimentação

Mais de 150 países comemoram o Dia Mundial da Alimentação, em 16 de outubro. Criada pela Organização das Nações Unidas pela Fome e Agricultura (FAO), a data visa conscientizar a opinião pública sobre questões relacionadas à nutrição e à alimentação. Na entrevista com Sandra Chemin, coordenadora de curso de Nutrição, Mestre em Ciência dos Alimentos (USP) e Coordenadora Científica da Força-tarefa Estilo de Vida Saudáveis e Sustentáveis, nossa conversa foi pautada por alimentação saudável, segurança alimentar e alimentos seguros.

 

IB: Diante do excesso de informações sobre alimentação saudável, cuja veracidade nem sempre é comprovada cientificamente, o que devemos entender como uma alimentação balanceada?

SC: As RDA (RDA, Recommended Dietary Allowances) são as Recomendações Nutricionais para a população sadia, estabelecidas pela Food and Nutrition Board (FNB) da National Research Council (NRC), National Academy of Sciences dos Estados Unidos da América. Elas estabelecem os níveis de ingestão de nutrientes adequados para atender às necessidades de uma população sadia. A partir das RDA é possível estabelecer uma alimentação balanceada. A primeira versão da RDA foi publicada no Journal of the American Dietetic Association, em 1943. Desde esta época, as mesmas foram revisadas a partir de discussões científicas conduzidas por especialistas.

Assim, podemos entender que a alimentação balanceada deve obedecer aos padrões da RDA e ser planejada com alimentos de todos os tipos, de procedência conhecida e de preferência, naturais, e preparados de forma a preservar o valor nutritivo e os aspectos sensoriais. Os alimentos devem ser qualitativa e quantitativamente adequados ao hábito alimentar, consumidos em refeições/dia, em ambientes “calmos”, visando à satisfação das necessidades nutricionais, emocionais e sociais, para a promoção de uma qualidade de vida saudável.

 

IB: Quais as principais consequências para a saúde em decorrência de uma dieta alimentar desequilibrada a curto, médio e longo prazo?

SC: As principais consequências são a desnutrição, deficiência de micronutrientes (vitaminas ou minerais), excesso de peso e doenças crônicas e agravos não transmissíveis (DCNT), que são traduzidas principalmente em doenças cardiovasculares, cânceres, diabetes e doenças respiratórias crônicas.

A desnutrição pode ser causada pela ingestão e/ou preparo inadequados ou devido a presença de algum distúrbio que dificulta a ingestão ou absorção de alimentos. Acarreta peso abaixo do normal, causado pela deficiência básica de calorias (consumo insuficiente de alimentos) ou de proteínas.

A desnutrição proteico-energética (também conhecida como má nutrição proteico-energética) surge quando a pessoa não consome proteínas e calorias suficientes durante um longo período. Se este tipo de desnutrição ocorrer na infância, pode causar problemas com repercussões clínicas que vão desde o marasmo até o kwashiokor. Porém, na  atualidade, a forma crônica é a mais comum, expressa em especial pelo déficit de altura por idade. A desnutrição moderada e leve muitas vezes se expressa apenas em termos de falha de crescimento e muitas vezes sem sinal clínico.

A deficiência de vitaminas e minerais causa transtornos de espectro variável. No Brasil o maior problema ainda é a anemia por deficiência de ferro (ferropriva), seguido por algumas outras deficiências, muitas vezes setorizadas, como por exemplo carência de vitamina A, zinco e selênio. A ingestão de cálcio também, em algumas populações está reduzida, considerando os valores preconizados.

Por outro lado, a obesidade ou sobrepeso também podem ser causados por uma dieta desequilibrada. A obesidade é definida como uma doença crônica, multifatorial, caracterizada por inflamação de baixo grau. Este estado inflamatório crônico está envolvido com o desenvolvimento de diversas comorbidades, podendo influenciar nas atividades metabólicas e fisiológicas do organismo e a composição da dieta pode contribuir para a perpetuação de vias inflamatórias, causando problemas relacionados a autoimunidade, alergia, câncer, aterosclerose, hipertensão arterial e outras doenças metabólicas e degenerativas.

As DCNT (Doenças Crônicas Não Transmissíveis) são as principais causa da mortalidade em muitos países e tem etiologia múltipla, porém os principais relacionam-se a dieta desequilibrada e atividade física insuficiente.

 

IB: Existe uma forma de garantir a segurança alimentar e uma dieta equilibrada, considerando as condições socioeconômicas do país?

SC: Acredito que promover a orientação e a educação alimentar possam melhorar a compreensão da população sobre a importância dos alimentos e nutrientes para a saúde, dentro de um contexto social, econômico e cultural.

Para que isso ocorra, várias ações deverão ser implantadas, que vão desde a divulgação adequada das informações nutricionais contidas no rótulo dos alimentos processados, até orientação à população sobre alimentação saudável, sem esquecer da necessidade da prática de atividade física. Entendo que a Nutrição Adequada é a mola propulsora do desenvolvimento da humanidade e a escolha dos alimentos sem dúvida é o ponto crucial.

Independentemente das condições do país, é necessário esclarecer a população dos riscos de uma dieta desequilibrada, respeitando-se a individualidade e as características socio, cultural e econômica de cada grupo populacional.

 

IB: No atual contexto de pandemia, houve mudança em relação à segurança alimentar?

SC: A saudabilidade alimentar diante da pandemia passou a ser um fator de diferenciação para a maioria das pessoas. Com isso, diversas informações presentes em redes sociais, sites e televisão passaram a fazer parte da rotina diária, deixando dúvidas sobre o que se deve restringir ou aumentar o consumo. Os alimentos passaram a ter ressignificados diferentes. Paradoxalmente, as repercussões dessa pandemia também refletiram no aumento da fome, gerado sobretudo pela instabilidade da renda e aumento de desemprego.

Diante desta dualidade de realidade, o conhecimento sobre a alimentação saudável e segurança alimentar tornou-se uma conexão fundamental nos dias de hoje, tendo em vista a necessidade de manutenção da saúde e do fortalecimento do sistema imunológico.

 

IB: Segundo dados da FAO, teremos que aumentar em 60% a produção de alimentos básicos no mundo até 2050, a fim de alimentar as 9 bilhões de pessoas. No âmbito da pesquisa científica, de que modo podemos garantir a entrega de alimentos mais seguros à população?

SC: Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil, realizado nos últimos meses de 2020, pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar. Dados do relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2020” (State of Food Security and Nutrition – SOFI), organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por outros fundos, cerca de 750 milhões pessoas foram expostas a níveis graves de insegurança alimentar em 2019.

Em contribuição a este estado alarmante, o vírus do SARS-CoV-2 expôs as fraquezas sistêmicas de políticas públicas e estão agora ameaçando a segurança alimentar de bilhões de pessoas. Após garantias iniciais de que COVID-19 não representava nenhuma preocupação para a segurança alimentar global, já que os silos do mundo estavam bem abastecidos (Vos, Martin, & Laborde, 2020), o tom agora mudou de maneira radical. Atualmente, estamos sendo avisados ​​de que a fome global vai aumentar devido às interrupções no fornecimento de alimentos causadas pela pandemia, em especial nas nações pobres e na África (Zurayk, 2020).

Portanto, é urgente e necessário discutir e compreender a ligação entre as desigualdades sociais, a distribuição de alimentos e as questões de saúde. Esta discussão deverá inspirar ações que contribuam para a prevenção de doenças transmitidas por alimentos, destacando a necessidade de sistemas de produção sustentáveis, garantindo não só a saúde das pessoas como do planeta.

 

Referências:

ZURAYK, R. Pandemic and Food Security : a view from the global south. Journal of Agriculture, Food systems, and community development, v.9, n3. 2020.

VOS, R; MARTIN, W, LABORDE, D. How much will global poverty increase because of COVID-19? International food policy research institute. https://www.ifpri.org/blog/how-much-will-global-poverty-increase-because-covid-19

WHO. The State of Food Security and Nutrition in the World – 2020.  Food and Agriculture Organization of the United Nations. Disponível em: http://www.fao.org/3/ca9692en/online/ca9692en.html#chapter-a1_1