ILSI em Foco – outubro 2021 – artigo

Pacientes com COVID-19 podem ter risco de morrer menor se receberem proteína de forma adequada

Dr. Jose Henrique Silvah, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FMUSP-RP), Alimentar Treapia Nutricional (ATN).

Mais de seiscentos mil brasileiros perderam suas vidas devido à COVID-19, marca atual em outubro de 2021. São muitas as lições de uma tragédia ao menos parcialmente evitável e, enquanto a medicina tornou-se assunto comum em todos os meios de comunicação, este texto tratará de assunto por vezes esquecido.

Pacientes graves, hospitalizados em unidades ou centros para tratamento intensivo, recebem assistência diversificada, envolvendo múltiplos profissionais, geralmente vários medicamentos e procedimentos, além do uso de respiradores artificiais, terapias de substituição renal (hemodiálises) e de terapia nutricional.

Terapia nutricional trata-se de uma área de atuação compartilhada e que deve envolver médicos, nutricionistas, enfermeiros, farmacêuticos, fonoaudiólogos e, muito importante, os gestores de nossas instituições hospitalares. Não é trabalho para um só e a constituição deste time, chamado de Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional (EMTN), tem sido exigida por meio de portarias e resoluções do Ministério da Saúde já há vários anos. Há um acumulado de publicações científicas evidenciando vários benefícios de oferecer terapia nutricional de forma adequada, como a redução do número de infecções hospitalares e do tempo de internação hospitalar, recuperação mais rápida do paciente após cirurgias, redução da mortalidade e também dos custos hospitalares.

Enquanto é óbvia e adequada a busca de novos medicamentos ou tratamentos, ainda mais diante de situação terrível como a enfrentada nos últimos anos com a pandemia da COVID-19, é importante lembrar que o paciente continua dependendo daquilo às vezes considerado básico, mas que impactará no desfecho do quadro clínico.

Estudo realizado por pesquisadores da divisão de Nutrologia do HC-USP/Ribeirão Preto, evidenciou redução do risco de morte por COVID-19 nos pacientes em estado crítico que foram alimentados com quantidade de proteína mais adequada durante a internação. O trabalho foi publicado na revista Clinical Nutrition ESPEN em outubro de 2021, uma das mais importantes em sua área em todo o mundo, envolveu 52 pacientes (homens e mulheres adultos) hospitalizados durante o primeiro ano da pandemia, os quais necessitaram de respiradores artificiais e uso de terapia nutricional enteral (alimentação por sonda). Apenas a quantidade de proteína recebida na alimentação (ingestão média durante a internação maior que 0,8 gramas de proteína por quilograma de peso corporal ideal) se mostrou importante na redução da mortalidade (HR 0.32, p = 0.049). Idade, sexo, uso de respiradores artificiais, a gravidade dos pacientes e quantidade de calorias recebida na alimentação não afetaram a mortalidade 1.

Legenda: O gráfico acima mostra como pacientes que receberam proteína de forma mais adequada (linha verde) apresentaram maior chance de sobreviver de COVID-19.

 

Embora pareça simples, pois trata-se de alimentar o paciente, a realidade em todo o mundo mostra o contrário. São múltiplas as causas de baixo compliance em relação ao que de fato é recomendado. Faltam interesse, conhecimento e treinamento dos profissionais de saúde, além de maior endosso à terapia nutricional pela maioria dos gestores hospitalares, bem como endosso às EMTN. Terapia nutricional deve ser uma das prioridades nos hospitais e o acompanhamento de indicadores de qualidade deve ser mandatório e fiscalizado 2. Por fim, diversos outros fatores resultam em baixa oferta de nutrientes aos pacientes hospitalizados, tais como a própria gravidade dos doentes e o aumento da carga de trabalho da enfermagem (piorada ainda mais durante a pandemia) e a própria ausência de fórmulas (dietas) com composição nutricional mais adequada (mais ricas em proteína) ou uso mais disseminado de módulos de proteína (proteína extra adicionada à dieta ou administradas diretamente ao paciente) 3.

 

Referências:

  1. Silvah, J. H. et al. Protein provision and lower mortality in critically ill patients with COVID-19. Clin Nutr ESPEN 45, 507–510 (2021).
  2. Indicadores de Qualidade em Terapia Nutricional”. 10 anos de IQTN no Brasil: Resultados, Desafios e Propostas. http://ilsibrasil.org/wp-content/uploads/sites/9/2018/06/Fasci%CC%81culo-10-anos-de-IQTN-no-Brasil2-Final.pdf.
  3. Silvah, J. H., Nicoletti, C. F., de Lima, C. M. M., Welle, A. & Marchini, J. S. Necessidade de módulo proteico para pacientes em estado grave: estudo das fórmulas enterais em sistema fechado disponíveis no mercado. Braspen J 2, 130–138 (2020).