ILSI em Foco – novembro 2021 – artigo

Nutrição infantil, atividade física e a pandemia pelo Coronavirus

Joel Alves Lamounier, Professor Titular de Pediatria UFSJ/UFMG

Os coronavírus constituem uma grande família de vírus que podem infectar animais e seres humanos. Foram identificados pela primeira vez em meados da década de 1960 e são conhecidos sete tipos diferentes de coronavírus humanos. Destes, quatro causam infecções respiratórias leves a moderadas e dois causam infecções respiratórias graves, que são coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV) e coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV). Em 2019 um sétimo tipo foi identificado: novo SARS-CoV-2 que ganhou importância pela sua patogenicidade em humanos. O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus da OMS identificou como “coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2)”. Este nome foi mudado para “COVID-19” devido às suas semelhanças genéticas com o coronavírus da SARS responsável pelo surto em 2003. Posteriormente em 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública o surto da doença causada pelo novo coronavírus uma epidemia global.

A obesidade, considerada como problema importante de saúde em vários países, consiste no acúmulo exacerbado de gordura corporal resultante de um balanço energético positivo que acarreta danos à saúde dos indivíduos. Como consequência pode comprometer a saúde física e emocional. Além disso é considerada fator de risco para doenças não transmissíveis e o surgimento precoce de doença cardiovascular. Quanto aos aspectos psíquicos e cognitivos, a obesidade pode predispor à ansiedade, depressão e distúrbios de sono. Neste cenário a pandemia de COVID-19 tornou-se um grande desafio para o mundo, com mudanças profundas nos hábitos de vida de diversas populações. De maneira súbita ocorreu uma súbita quebra de paradigmas que resultaram em amplas repercussões nos diversos âmbitos de interação social. O isolamento social foi uma estratégia junto com outras medidas impostas para reduzir a propagação viral.

Embora tenham efeitos positivos, medidas de isolamento podem ter impacto indesejáveis, principalmente em crianças e adolescentes, em decorrência do distanciamento social imposto como estratégia de enfretamento à disseminação da COVID-19. Com a mobilidade restrita, a interrupção de aulas e de atividades grupais, as crianças e adolescentes ficaram mais expostas às telas e alterações na alimentação. A restrição da mobilidade limita a frequência de compras de gêneros alimentícios, com consequência de maior consumo de alimentos processados e enlatados, mais fáceis de adquirir e armazenar bem como a entrega de comidas a domicílio foi incorporado pela maioria da população. A Sociedade Brasileira de Pediatria (2020) ressalta que as estratégias para conter a disseminação da COVID-19 impactam diretamente na alimentação infantil, já que a restrição da mobilidade limita a frequência de compras de gêneros alimentícios. A consequência é o maior consumo de alimentos processados e enlatados que são mais fáceis de adquirir e armazenar e possuem maior prazo de validade. As mudanças dos hábitos alimentares contribuíram para o aumento ou agravamento de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes.

Na saúde deve-se considerar os possíveis impactos do distanciamento social imposto pela pandemia do COVID-19 na obesidade infantil O COVID-19 continua assolando o mundo, ultrapassando fronteiras e atingindo pessoas de diversas classes e idades. O contato, o toque e a convivência estão restritos devido à alta transmissibilidade viral. Atividades que implicam aglomeração de pessoas, como as aulas presenciais paralisadas exigiu de todos os envolvidos a criação de estratégias para reinventar a educação. A interrupção das aulas presenciais, além de todos os possíveis impactos na formação dos estudantes, gera também uma lacuna no que se refere à alimentação, já que a merenda escolar é fonte segura e equilibrada de alimentação, sendo, em alguns casos, a única refeição com essas características acessível a vários alunos. O sustento de muitas famílias ficou comprometido e a disponibilidade de alimentos nutritivos ficou ainda mais escassa para as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

O distanciamento social também gerou repercussões nas relações familiares. As crianças e adolescentes que passavam grande parte do dia nas creches e escolas, estão restritas ao lar em período integral. Nesse cenário, o estresse e a sobrecarga do cuidador podem ocasionar uma exacerbação da agressividade e violência. O aumento da exposição à violência psicológica, o cenário de incertezas, o afastamento da rotina e de pessoas próximas geram importantes reflexos na saúde mental das crianças e dos adolescentes. A obesidade tem forte associação com a ocorrência de ansiedade e depressão. Deste modo, é necessário acompanhar de perto possíveis alterações comportamentais de crianças e adolescentes obesos, principalmente pela associação de fatores inerentes ao distanciamento social que podem provocar alterações de humor.

Outro fator que impacta diretamente na epidemia de obesidade é a redução da prática de atividade física, fortemente influenciada pela interrupção das aulas presenciais, já que a escola é ambiente propício para as interações grupais ativas, realização de esportes e atividades recreativas. Ainda agravante desta situação, muitas crianças não dispõem de local adequado para brincadeiras ou realizações de atividades que permitam reduzir o sedentarismo. Academias com atividades suspensas e também ausência de apoio escolar, foram fatores que contribuíram para a manutenção de altos níveis de inatividade. Portanto, para reduzir o desenvolvimento ou agravamento da obesidade e evitar as complicações decorrentes, a família deve proporcionar um ambiente saudável e seguro, fornecendo apoio emocional, priorizando alimentos nutritivos, estimulando as atividades físicas e limitando o tempo de tela. Essas medidas são necessárias tanto para evitar o excesso de peso e suas repercussões à longo prazo, quanto para suplantar o aumento do risco associado à obesidade caso essas crianças e adolescentes sejam expostos à infecção pelo COVID-19.

Em conclusão os pediatras bem como os demais profissionais de saúde devem proceder com avaliação nutricional da criança e adolescente. Essa recomendação se aplica também nos cuidados de crianças suspeitas ou com diagnóstico confirmado de COVID-19. Importante identificar o sobrepeso e obesidade para promover orientações e cuidados em períodos de isolamento. Manter um bom estado de saúde e nutricional, além de imunizações e atenção aos problemas psicossociais. Considerar comorbidades associadas à obesidade e garantir que o tratamento não seja interrompido. Avaliar a necessidade de suplementos nutricionais de acordo com cada caso. Felizmente, o avanço na vacinação contra Covid 19 em adolescentes e crianças pode ser um importante fator para minimizar os diferentes impactos da doença nesta população.

 

Referências

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