ILSI em Foco – março 2022 – Entrevista

Os mitos e verdades mais comuns da nutrição

Dra. Sandra Chemin é graduada pela Universidade de São Paulo, Mestre em Ciências dos Alimentos pela Universidade de São Paulo, Doutoranda em Ciências dos alimentos pela Universidade Federal de São Paulo. Atualmente é professor titular do Centro Universitário São Camilo e coordenadora de curso do Centro Universitário São Camilo. Consultora da Diretoria da Sociedade Brasileira de Nutrição. Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase nos seguintes temas: ácidos graxos, dieta, alimentos, dietoterapia e inflamação

IB: A Pandemia do Covid-19 provocou a categoria profissional [dos nutricionistas] a desenvolver um novo olhar sobre os hábitos alimentares. Afinal, o confinamento despertou compulsões e exageros relacionados à alimentação em muitas pessoas, que buscaram informações na internet para iniciar suas dietas. Nesse sentido, de que maneira a saúde dos indivíduos é prejudicada por medidas adotadas sem orientação profissional?

Há diversas patologias que são prejudicadas se não receberem a orientação do nutricionista. A mais comum é a obesidade e suas repercussões.

SC: No confinamento, as emoções foram exacerbadas, modificando o comportamento alimentar dos indivíduos. Estas modificações foram sinérgicas ao fato de que em obesos, o comportamento alimentar é fortemente mediado por fatores emocionais e psicológicos, onde se observa períodos de hiperfagia intercalados com períodos de restrição alimentar, que geralmente estão ligados a sentimentos como culpa, estresse, depressão e ansiedade (DALTON et al., 2013; RIBEIRO; SANTOS, 2013; KOSKI; NAUKKARINEN, 2017).

Essa dualidade de comportamento levou a um aumento pela busca por informações sobre Alimentação e Nutrição, especialmente em redes sociais. Porém, as dietas sem acompanhamento, postadas em redes sociais, geralmente são restritivas e não levam em conta estado de saúde, hábito alimentar, o estado fisiológico e não promovem a educação nutricional. Elas também podem estereotipar o estigma de “peso”. A maioria dessas postagens têm estereótipos comuns sugerindo que pessoas com obesidade são preguiçosas e sem autocontrole, enquanto promove ideais de magreza irreais, com efeitos nocivos, uma vez que enfraquece a autoeficácia e a confiança na capacidade pessoal de alcançar um controle efetivo sobre o comportamento alimentar [TODISCO & Donini, 2020)

IB: Recentemente, a relação negativa que um participante de reality show teve com a comida e a prática de exercícios físicos chamou a atenção dos especialistas. Que papel as dietas restritivas têm nesse contexto, e quais são os mitos envolvendo a restrição alimentar?

SC: O controle rígido na ingestão alimentar, baseado em regras pré-estabelecidas, somado a baixa autoestima e baixa autoeficácia, pode deixar o indivíduo propenso a consumir alimentos em função de variações emocionais durante toda vida, imputando um comportamento ora permissivo e ora restritivo.

Atualmente, as redes sociais divulgam dietas restritivas, voltadas principalmente para a perda de peso e aumento da massa muscular, ficando a saúde em segundo ou até terceiro plano. São expostos, de forma inadequada, resultados de pacientes para atrair e angariar novos seguidores – uma prática antiética e anticientífica travestida de estratégia de marketing.

Porém, o mais importante é que são práticas anticientífica porque pressupõe que o resultado (seja qual for) de um paciente, ocorrerá, da mesma forma, em todos aqueles que seguirem as recomendações. Sabidamente, pelas inúmeras variáveis intervenientes que afetam qualquer desfecho clínico, considerar que a mesma intervenção gerará o mesmo efeito em todos é, no mínimo, leviano.

Todavia, para leigos, vulneráveis psicologicamente, o número de seguidores e “curtidas” parece ser um certificado de qualidade para um corpo perfeito e a medida que o sujeito perde peso, mudanças metabólicas e comportamentais predispõe o indivíduo a recuperar o peso perdido (Jacquet et al. 2020), favorecendo o ciclo de perda e ganho, famoso efeito sanfona.

IB:  Os mais atuais relatórios da ONU sobre segurança alimentar registram que uma porção significativa da população mundial sofre com a subalimentação e o retrocesso nos índices de obesidade. No Brasil, esse fato também é notável. Pensando nisso, é verdadeira a informação de que “se alimentar bem custa caro”, e por quê?

SC:  É difícil responder esta pergunta, especialmente pela situação econômica atual, onde os alimentos sofrem variações significativas do custo. Saber fazer boas escolhas alimentares é imprescindível para se obter o que há de melhor dos alimentos disponíveis nos diferentes contextos sociais. Informações corretas, incentivo político a estratégias educativas são necessários para que se possa as possibilidades alimentares e reduzir as problemáticas relacionadas à alimentação. Algumas orientações para diminuir o valor de uma alimentação são: fazer levantamento do que se tem disponível em casa; planejar o cardápio; fazer a lista de compras antes de ir ao supermercado/ feira; pesquisar preços e ofertas; fazer compras coletivas; ler o rótulo para verificar a validade; comprar produtos da época.

IB: Hoje em dia, sabe-se que os conceitos de magreza e saúde não são necessariamente sinônimos, pois isso depende de uma série de fatores que são diagnosticados por meio do estado nutricional do paciente. O que pode ser feito para que falsas verdades sobre a nutrição sejam mitigadas?

SC: Além dos conceitos de magreza e saúde já destacados acima, há também a problemática relacionada à suplementação nutricional, que são prescritos ou sugeridos para consumo, sem o respeito aos níveis adequados propostos pelas evidências científicas. São prescritos com a única consideração de se obter resultados no âmbito da composição corporal e do desempenho físico, porém, sem o estudo da matriz alimentar, poderão acarretar problemas graves de saúde.

Provavelmente levará tempo para avaliar completamente o impacto das redes sociais no estado nutricional, mas é importante que a reflexão comece imediatamente e que as informações sejam coletadas a partir de agora, para melhor pensarmos em uma saída a curto e a médio prazo.

Felizmente, a ciência está cada vez mais avançada e nos mostra que o corpo é uma máquina complexa e repleta de detalhes que são desvendados a cada dia, mês e ano. Nesse sentido, o nutricionista precisa ressignificar sua atuação, de modo que consiga transcender as diversas possibilidades de ação na prática clínica.

 

Referências Bibliográficas:

RIBEIRO, Gabriela.; SANTOS, Osvaldo. Recompensa alimentar: mecanismos envolvidos e implicações para a obesidade. Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, [s.l.], v. 8, n. 2, p.82-88, July, 2013.

KOSKI, M.; NAUKKARINEN, H. Severe obesity, emotions and eating habits: a casecontrol study. BMC Obesity, [s.l.], v. 4, n. 1, p.1-15, 7 Jan. 2017.

DALTON, M et al. Effect of BMI and binge eating on food reward and energy intake: further evidence for a binge eating subtype of obesity. Obesity Facts, [s.l.], v. 6, p. 348–359, 10 Aug. 2013.

TODISCO, P; DONINI, L. M. Eating disorders and obesity (ED&O) in the COVID-19 storm. Eating and Weight Disorders – Studies on Anorexia, Bulimia and Obesity (Springer Nature), 2020. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7265870/

NATACCI, Lara Cristiane; FERREIRA, Júnior Mario. The three factor eating questionnaire – R21: tradução para o português e aplicação em mulheres brasileiras. Revista de Nutrição, [s.l.], v. 24, n. 3, p.383-394, Jun. 2011.

DOS SANTOS QUARESMA, Marcus Vinicius Lucio; SILVA, Sandra Mari. Chemin Seabra. Nutrição na Prática Clínica – Baseada em Evidências: Atualidades e Desafios. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. v. 1. 368p