ILSI em Foco – janeiro 2022 – artigo

O Papel da Nutrição na Saúde Mental

Saúde mental é um “estado de bem-estar em que o indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de contribuir para sua comunidade” (OPAS,2021).

Os transtornos mentais são um problema de saúde pública que não deve ser negligenciado. O impacto econômico gerado por gastos em saúde mental destaca a depressão como um dos principais na saúde pública até 2030 (CHISHOLM et al., 2016; MATHERS; LONCAR, 2006; TRAUTMANN; REHM; WITTCHEN, 2016; WHO, 2008), pois compromete a saúde e a qualidade de vida do indivíduo, além do aumento da mortalidade (VANDELEUR et al., 2017). Foi estimado um gasto de $ 2.5 trilhões de dólares no mundo em 2010, com previsão de aumentar para até $ 6 trilhões de dólares em 2030 (MARQUEZ; SAXENA, 2016), desses gastos 10,3% são destinados a transtornos mentais, com a depressão sendo uma das principais (TRAUTMANN; REHM; WITTCHEN, 2016).

Apesar dos avanços científicos, o tratamento convencional da depressão é eficaz apenas em um em cada três casos. Além disso, a condição é frequentemente recorrente, com recidiva aparente em 50% dos casos. Nesse contexto, identificar fatores de risco modificáveis ​​para orientar estratégias de intervenção tanto para prevenir quanto para diminuir sua gravidade parece ter seu valor (LASSALE et al., 2019). Dentre estes fatores de risco modificáveis destacamos a alimentação.

As propriedades dos alimentos podem ter efeitos no aumento e/ou redução dos sintomas depressivos, como por exemplo, uma dieta com menor índice inflamatório (maior quantidade de alimentos anti-inflamatórios) pode estar associado a melhora dos sintomas depressivos (KANG et al., 2020). Os sintomas depressivos podem ser mais presentes e/ou agravados devido a deficiência de nutrientes como a cobalamina (vitamina B12), o ferro (comum em vegetarianos sem ajuste da dieta) (HIBBELN et al., 2018) e proteínas (LI et al., 2020). Por outro lado, uma dieta rica em nutrientes, como os carotenoides (LIN; SHEN, 2021) ou adequada em selênio (GHIMIRE et al., 2019), pode melhorar os sintomas depressivos.

A Dieta MIND – Mediterranean-DASH Intervention for Neurodegenerative Delay surgiu do desenvolvimento de uma associação entre a dieta DASH e a dieta Mediterrânea.  A dieta orienta o consumo de pelo menos três porções de grãos integrais, uma salada e um outro vegetal diariamente – junto com um copo de vinho. Os lanches devem incluir frequentemente frutas oleaginosas, como nozes, castanhas e amêndoas; leguminosas diariamente ou a cada 2 dias, aves e frutas vermelhas e arroxeadas pelo menos duas vezes por semana e peixe pelo menos uma vez por semana.  Há limitação para o consumo de manteiga (menos de 1 colher de sopa por dia), queijo, frituras ou fast foods (menos do que uma porção por semana para qualquer um dos três), para redução dos efeitos da doença de Alzheimer (MORRIS et al, 2015).

Segundo uma análise investigativa de uma coorte realizada por Fresán e colaboradores (2019) com 15980 participantes, publicado no European Journal of Nutrition, o aumento da adesão da dieta MIND reduziu o risco de depressão, mas não foi estatisticamente significativo, diferente da dieta do mediterrâneo (p<0,01). Por outro lado, os autores destacaram que o consumo moderado de castanhas na dieta MIND foi inversamente associado a incidência de depressão, e que o aumento da adesão tanto da dieta MIND quanto a do mediterrâneo de baixo para moderado pode reduzir o risco de depressão. Desse modo, acredita-se que os componentes da diet MIND (frutas, vegetais e oleaginosas/castanhas) apresentam potencial na redução de risco de depressão, visto que a relação inversa do consumo de alimentos vegetais e o risco de depressão já é conhecida.

Polifenóis são compostos bioativos sem função de nutriente, que têm sido investigados quanto ao seu papel na prevenção e controle dos transtornos mentais devido as suas propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes. Lin et al. (2021) realizaram revisão sistemática para investigar a eficácia da suplementação de polifenóis na melhora da depressão, ansiedade e qualidade de vida (QV).  19 estudos com 1.523 participantes foram incluídos; 18 estudos (n = 1.523) foram incluídos na meta-análise de depressão, destes 12 apresentaram melhorias na depressão e redução significativa da pontuação de depressão em comparação ao controle (MD: -2,280, IC 95%: -1,759, -0,133, I2 = 99,465) com o consumo de polifenóis.

Estes dados sugerem que estes compostos podem ser utilizados como adjuvante na prevenção e controle da depressão. Nas análises de subgrupos, a isoflavona foi o polifenol mais eficiente. Além disso, doses menores que 300 mg, período de suplementação superior a 3 meses também apresentaram melhores resultados (LIN et al., 2021).

Embora o Brasil apresente uma ampla biodiversidade, o consumo de alimentos fontes de polifenóis ainda é baixa. E esse baixo consumo está relacionado com fatores socioeconômicos. Carnaúba et al. (2021) investigaram a relação entre o consumo de compostos bioativos de acordo com o nível de renda da população brasileira. Os dados foram obtidos da Pesquisa de Orçamentos Familiares Brasileiros. O café foi a principal fonte para a ingestão total de polifenóis e ácidos fenólicos, e o suco de laranja foi o principal fornecedor de flavonoides em indivíduos de todos os níveis de renda.

Portanto, foi demonstrado que há uma influência importante do nível de renda na qualidade da dieta em relação à ingestão de alimentos com compostos bioativos e indivíduos com menor renda podem experimentar dietas de qualidade inferior devido à menor disponibilidade de alimentos com compostos bioativos (CARNAÚBA et al., 2021) e consequentemente apresentam maior risco de transtornos mentais.

Ademais, a prevenção e/ou controle dos sintomas depressivos por meio da alimentação adequada proporcionaria a mitigação do ônus econômico e social associado a saúde mental, efetivamente refletindo na preservação do bem-estar e qualidade de vida da população. Por isso, é essencial identificar um padrão alimentar saudável, observando quais compostos bioativos, com ou sem função de nutriente, presentes nos alimentos, podem exercer um papel protetor da saúde mental, a fim de reduzir a incidência destes transtornos na população.

 

REFERÊNCIAS

CARNAUBA, Renata A. et al. Assessment of dietary intake of bioactive food compounds according to income level in the Brazilian population. British Journal of Nutrition, p. 1-22, 2021.

CHISHOLM, D. et al. Scaling-up treatment of depression and anxiety: A global return on investment analysis. The Lancet Psychiatry, v. 3, n. 5, p. 415–424, 2016.

FRESÁN, U. et al. Does the MIND diet decrease depression risk? A comparison with Mediterranean diet in the SUN cohort. Eur. J. Nutr. v.58, p.1271–1282, 2019.

GHIMIRE, S. et al. Is selenium intake associated with the presence of depressive symptoms among US adults? Findings from National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) 2011–2014. Nutrition, v. 62, p. 169–176, jun. 2019.

HIBBELN, J. R. et al. Vegetarian diets and depressive symptoms among men. Journal of Affective Disorders, v. 225, p. 13–17, jan. 2018.

KANG, J. et al. Inflammatory properties of diet mediate the effect of depressive symptoms on Framingham risk score in men and women: Results from the National Health and Nutrition Examination Survey (2007-2014). Nutrition Research, v. 74, p. 78–86, fev. 2020.

LACHANCE, L. R.; RAMSEY, D. Antidepressant foods: An evidence-based nutrient profiling system for depression. World Journal of Psychiatry, v. 8, n. 3, p. 97–104, 2018.

LASSALE, C. et al. Healthy dietary indices and risk of depressive outcomes: a systematic review and meta-analysis of observational studiesMolecular PsychiatryNature Publishing Group, , 1 jul. 2019.

LI, Y. et al. Association between dietary protein intake and the risk of depressive symptoms in adults. British Journal of Nutrition, v. 123, n. 11, p. 1290–1301, 14 jun. 2020.

LIN, Kelly et al. Effects of Polyphenol Supplementations on Improving Depression, Anxiety, and Quality of Life in Patients With Depression. Frontiers in psychiatry, p. 1975, 2021.

LIN, S.; SHEN, Y. Dietary carotenoids intake and depressive symptoms in US adults, NHANES 2015–2016. Journal of Affective Disorders, v. 282, p. 41–45, mar. 2021.

MARQUEZ, P. V; SAXENA, S. Making Mental Health a Global Priority. Cerebrum : the Dana forum on brain science, v. 2016, n. August, p. 1–14, 2016.

MATHERS, C. D.; LONCAR, D. Projections of Global Mortality and Burden of Disease from 2002 to 2030. PLOS Medicine, v. 3, n. 11, p. 2011–2030, 2006.

MORRIS, Martha Clare et al. MIND diet associated with reduced incidence of Alzheimer’s disease. Alzheimer’s & Dementia, 2015.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Mental disorders. Disponível em:  https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-disorders Acesso em: 06 de Dezembro de 2021.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS, 2021). Mental Health.  Disponível em: https://www.paho.org/en/topics/mental-health Acesso em: 06 de Dezembro de 2021.

TRAUTMANN, S.; REHM, J.; WITTCHEN, H. The economic costs of mental disorders. EMBO reports, v. 17, n. 9, p. 1245–1249, 2016.

VANDELEUR, C. L. et al. Prevalence and correlates of DSM-5 major depressive and related disorders in the community. Psychiatry Research, v. 250, n. August 2016, p. 50–58, 2017.