ILSI em Foco – agosto 2021 – Entrevista

Semana Mundial de Aleitamento Materno

Batizado de Agosto Dourado, o mês dedicado ao aleitamento materno tem como objetivo incentivar mães ao redor do mundo a amamentar, além de promover o debate por parte da sociedade civil, dos profissionais de saúde e do poder público em torno da temática. As ações se estendem por todo o mês no país, e o ILSI em Foco convidou a Professora e Pediatra, Dra. Keiko Miyasaki Teruya, para conversar a respeito da importância do leite materno para a saúde e o desenvolvimento das crianças, das políticas públicas voltadas para proteger a prática da amamentação e, ainda, sobre as lactantes durante a pandemia da Covid-19.

 

IB: Qual a importância do Agosto Dourado e da Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM) para a população, em geral?

KT: Hoje, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sabe-se que o incentivo ao aleitamento materno salva cerca de seis milhões de vidas dado o aumento das taxas de amamentação exclusiva até o sexto mês de idade. Também é de amplo saber que constitui uma ação eficaz e barata para tornar a criança em um adulto capaz, seguro, resiliente e feliz. Isso nos mostra a importância de implementar a promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno por todo país através de eventos como: palestras, “hora do mamaço”, exposição de fotos em locais de grande circulação de pessoas, hospitais e UBSs enfeitados de dourado (denotando o padrão ouro do leite materno), transmissões ao vivo, TV, jornais, redes sociais e outros meios de comunicação.

Penso que, neste contexto, não devemos esquecer da figura mais importante: a mãe que amamenta – mãe maravilha, poderosa – resiliente e, principalmente, amada pelo seu filho.

O tema escolhido este ano pela Aliança Mundial para a Ação em Amamentação (WABA/OMS/UNICEF) foi “Proteger a amamentação: uma responsabilidade de todos”, e, no Brasil, adaptada para a campanha nacional: “Todos pela amamentação. É proteção para a vida inteira”.

A Semana Mundial de Aleitamento Materno ocorre no mundo todo na primeira semana de agosto. No Brasil, desde 2017 (lei 13 435), foi instituído o mês Agosto Dourado. Ambos fazem parte da mobilização social da Política Nacional de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. Tanto a SMAM quanto o Agosto Dourado são coordenados pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Os eventos ocorrem com a participação de órgãos internacionais como a WABA e a IBFAN, e nacionais como: Secretarias de Saúde Estaduais e Municipais, Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, Hospitais Amigos da Criança, Sociedades de Classe, ONGs e veículos de Mídia.

 

IB: Como está o Brasil em relação às políticas públicas que protegem a prática da amamentação?

KT: O Brasil está de parabéns por contar com uma forte Política Nacional de promoção, proteção e apoio à amamentação. Embora a pandemia da COVID-19 tenha assolado o mundo e atrapalhado a implementação das Políticas Nacionais de Incentivo ao Aleitamento Materno, um estudo de prevalência de aleitamento materno avaliou 14.505 crianças menores de 5 anos de vida entre fevereiro de 2019 e março de 2020, e nos apresentou um resultado surpreendente: o aumento da prevalência do aleitamento materno.

Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil  (ENANI)

1986 1996 2006 2020
Aleitamento materno exclusivo <4 meses 4,7% 29,2% 45% 60%
Aleitamento materno exclusivo <6 meses 2,9% 23,9% 31,1% 45.7%
Aleitamento materno continuado 12/ 15 meses 53,1%
Amamentação em menores de 24 meses 60.9%

 

Considerando as metas apresentadas pela OMS para elevar as taxas mundiais de aleitamento materno exclusivo até 6 meses para 50% até 2025, não estamos tão longe, pois faltam apenas 4,3%. Acredita-se que a medida de promoção, proteção e apoio à Amamentação poderá salvar a vida de mais de 820 mil crianças com menos de cinco anos, além de 20 mil mulheres a cada ano. Avante todos!

 

IB: De que forma os profissionais da saúde podem incentivar as mães a amamentarem seus filhos?

KT: O laureado professor epidemiologista Cesar Gomes Victora nos mostra que a melhor forma do profissional  de saúde assistir a uma nutriz é pelo conhecimento do aleitamento:

  • Padrões e tendências presentes e passados.
  • Vidas potenciais salvas aumentando a taxas amamentação.
  • Consequências de saúde a curto e longo prazos.
  • Implicações econômicas.
  • Determinantes da amamentação e intervenções eficazes.
  • Lucrativo mercado de substitutos do leite materno.
  • Papel ambiental.
  • Aplicar a Medicina personalizada (identificar o tratamento mais adequado).

Penso que, durante muitos anos, mostrei às mães a importância da amamentação e o manejo. Como pediatra, pensava quase que exclusivamente no bem-estar da criança. Penitencio, hoje, de ter esquecido da pessoa mais importante neste contexto – a mulher que amamenta. Penso no quanto ela é poderosa – uma verdadeira “mulher maravilha” -, resiliente e muito amada pelos filhos.

Nós, profissionais de saúde, deveríamos encantar estas mulheres que conseguem amamentar. Elas possuem dentro de si o leite humano – melhor presente da vida de seu filho, capaz de torná-lo um adulto capaz, seguro e feliz, e fazê-lo resiliente para que viva até 100 anos, lúcido e produtivo tal qual Oscar Niemeyer.

Sugiro aos profissionais de saúde, durante a assistência a uma mãe nutriz, que tenham em mente:

  • Quem é esta mãe que amamenta e seu filho?
  • Quais suas expectativas?
  • Qual sua dificuldade real – a não expressa?
  • Qual o significado de amamentar seu filho?
  • Quais respostas gostaria de ter?
  • Como Cuidar desta mãe/filho/família?

Além de oferecer respostas às dúvidas das mães; implementar ações de promoção, proteção e apoio à amamentação; e empoderar pais, avós, profissionais de saúde, irmãos e comunidade.

IB: Muito se fala dos benefícios do leite materno para as crianças. Em relação às lactantes, quais benesses podemos destacar?

KT: Leite materno é um alimento “vivo”, cuja quantidade, composição e o tipo de leite é controlado conforme a necessidade da criança em cada momento da vida. O controle da produção depende de como ele mama – frequência, duração, se mama um peito ou dois, da idade, da saliva.

Além disso, o leite materno contém mais de 250 fatores bioativos; fatores de crescimento; enzimas; anti-inflamatórios; imunomoduladores, pré e probióticos – hoje considerado um “imprinting” metabólico.

Contém, também, ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa (LCPUFAs); ácido docosahexaenóico (DHA); ácido araquidônico (ARA) – tão  importante para a maturação cerebral; células tronco que sobrevivem no bebê com potencial de diferenciação multilinhagem, etc.

Recentemente, cientistas britânicos descobriram um super antibiótico desenvolvido a partir de um componente do leite materno humano (lactoferrina) capaz de combater superbactérias, fungos e até mesmo vírus em contato. Evitando assim que milhares de pessoas morram por infecção hospitalar.

IB: Há um ano não havia evidências científicas que comprovassem a contaminação do novo coronavírus por meio do leite materno. A orientação segue a mesma, existe alguma informação que merece ser acrescentada?

KT: Realmente, ainda não existem evidências científicas robustas de transmissão da SARS-Cov-2 através do leite materno.  Existe apenas uma pesquisa em que foi detectada positividade para RNA do SARS-Cov-2 (numa amostra de 15 mães com COVID 19, foram detectados presença do vírus no leite de 4 delas). No entanto, os autores¹ acreditam que os benefícios do aleitamento materno superam o risco de infecção por SARS -Cov-2 nos filhos.

Por outro lado, existe um estudo mostrando que no leite materno de mães infectadas foram detectados anticorpos IgA – imunoglobulina predominante no trato respiratório e na superfície das mucosas, que desempenha um papel importante na proteção contra toxinas, vírus e bactérias fungos por neutralização ou evitando a fixação no epitélio da mucosa – o que pode influenciar no impacto clínico reduzido da COVID-19 em bebês amamentados e expostos ao vírus.²

Assim, ainda vale a recomendação conjunta do Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz e Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, datada de 9 maio 2021:

“Até que haja evidência clara que o leite materno é uma fonte de infecção por SARS-CoV-2 e que essa infecção cause algum mal à criança, o comprovado benefício do leite materno a curto e longo prazo deve ser a primeira consideração ao aconselhar os pais.”

 

 

¹ Kilic, T, Kilic, S, Berber, NK, Gunduz, A, Ersoy, Y. Investigation of SARS‐CoV‐2 RNA in milk produced by women with COVID‐19 and follow‐up of their infants: A preliminary study. Int J Clin Pract. 2021 00:e14175. https://doi.org/10.1111/ijcp.14175.

² VASSILOPOULOU et al, 2021; QUINTI et al, 2021.