A relação entre a alimentação e o ganho de massa muscular: mitos e dicas


 

Felipe Marticorena e Hamilton Roschel

Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Assim como boa parte das disciplinas da saúde, a nutrição padece de grande vulnerabilidade a evidências anedóticas. Como todos nós nos alimentamos, a crença comum de que “se funcionou para mim, funcionará para você também” se intensifica, facilitando a propagação dos tão disseminados “mitos da nutrição”. Contribui para isso, um importante viés de confirmação presente em boa parte da população, que opta por seguir o caminho mais fácil e buscar informações em fontes que validem seus comportamentos ou crenças, independente do embasamento científico ou da qualificação profissional de quem as propaga.

Além disso, há outro problema: a nutrição não é uma ciência exata, o que significa que novas diretrizes são periodicamente revistas e/ou estabelecidas em função do avanço da ciência, gerando ainda mais confusão entre a população geral. Isso reforça o comportamento de consumo de conteúdos paralelos e menos confiáveis, aumentando ainda mais o descrédito dos profissionais da área, frequentemente vistos como inacessíveis ou excessivamente complexos.

Um dos tópicos mais estudados na nutrição é justamente o que mais atrai pessoas às academias ao redor do mundo: o papel da nutrição no ganho de massa muscular. Dentro e fora dos consultórios e academias, o objetivo predominante é sempre o mesmo: perder gordura e ganhar massa muscular. É importante destacar que a massa muscular desempenha papel fundamental na nossa saúde, longevidade e qualidade de vida, embora boa parte das pessoas limite-se ao seu impacto estético subjetivo.

Independentemente disso, o ganho de massa muscular sofre influência de vários fatores, destacando-se dois principais: o estímulo mecânico provido pelo exercício e a alimentação adequada. Partindo do pressuposto de que o indivíduo está sendo bem orientado em relação ao seu programa de exercícios, o próximo passo é avaliar e ajustar a alimentação. Cabe enfatizar que cada um dos macronutrientes da nossa dieta, conhecidos como carboidratos, gorduras e proteínas, desempenham um papel específico e igualmente fundamental; nenhum é “vilão ou mocinho”. Um bom planejamento alimentar contemplará a quantidade, distribuição, formas de preparo, fontes, entre outros desses macronutrientes, sempre levando em conta crenças, rotinas, cultura e preferências pessoais. Em casos específicos, avaliar a necessidade de suplementos alimentares que podem ajudar nos ajustes necessários para a adequada ingestão destes nutrientes pode ser necessário.

Boa parte das dúvidas surgem justamente nessa última etapa. É, por exemplo, na distribuição dos macronutrientes que aparecem alguns dos modismos nutricionais, as novas tendências e as dietas da vez. A seguir, abordaremos os principais mitos propagados atualmente, explicando de forma simplificada as limitações que os tornam falsos.

Veganos e Proteínas

A afirmação de que “veganos não consomem proteínas suficientes para o ganho de massa muscular” é amplamente difundida, mas incorreta. Embora a dieta vegana exclua fontes de proteína animal, ela oferece uma ampla variedade de fontes vegetais ricas em proteínas que, quando combinadas adequadamente, podem suprir plenamente as necessidades de quem busca o ganho de massa muscular.

É verdade que as fontes animais tendem a ter um perfil de aminoácidos mais completo, ou seja, contêm todos os aminoácidos essenciais em proporções adequadas para a construção muscular. Por outro lado, muitas fontes vegetais, quando avaliadas isoladamente, podem não ser tão completas. No entanto, é nesse ponto que o planejamento nutricional se torna essencial. Ao combinar diferentes fontes vegetais, como arroz e feijão, é possível obter um perfil completo de aminoácidos, garantindo que as necessidades proteicas sejam atendidas, permitindo que veganos ganhem massa muscular.

Recentemente, um estudo publicado por um grupo de pesquisa da USP demonstrou que em comparação a onívoros (indivíduos que consomem produtos animais), veganos não tem qualquer desvantagem para ganhar músculos em resposta a um programa de exercícios, uma vez que suas dietas sejam adequadas para atender a demanda total de proteína. O mesmo grupo também mostrou, ao avaliar a dieta de mais de 700 veganos no Brasil, que a grande maioria deles atende às recomendações básicas de consumo proteico e de aminoácidos essenciais.

Jejum Intermitente

Há anos, o jejum intermitente tem sido promovido como uma estratégia milagrosa para alcançar a tão desejada perda de gordura e o ganho simultâneo de massa muscular. No entanto, a ideia de que ele é superior a outros métodos ou dietas para esses objetivos não encontra respaldo na literatura científica. Veja, não se afirma que o jejum intermitente seja ineficaz, mas sim que ele não se destaca em relação a outras abordagens.

A ciência parece congruente em apontar que a principal razão para a perda de peso em qualquer estratégia nutricional é o déficit calórico – ou seja, consumir menos calorias do que se gasta. O jejum intermitente pode facilitar esse processo ao restringir a janela de alimentação, mas o mecanismo de perda de gordura não difere significativamente de outras estratégias, como a restrição calórica contínua.

No que se refere ao ganho de massa muscular, além de não ser superior, o jejum intermitente pode ser até menos eficaz que outras abordagens. Isso ocorre porque a limitação da janela de alimentação pode dificultar o consumo adequado de proteínas e calorias, essenciais para otimizar o ganho muscular, especialmente em indivíduos que buscam hipertrofia. Portanto, apesar de ser uma estratégia válida em alguns casos, o jejum intermitente pode impor obstáculos ao ganho de massa muscular, tornando o processo menos prazeroso, eficiente e duradouro, caso haja restrições alimentares por longos períodos.

Suplementos Proteicos e BCAA

Há décadas os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs: leucina, isoleucina e valina) têm sido amplamente comercializados sob a premissa de aumentar a síntese proteica e, consequentemente, otimizar o ganho de massa muscular. No entanto, as evidências científicas não sustentam essas alegações, já que grande parte desse argumento se baseia na extrapolação das propriedades bioquímicas desses aminoácidos, e não sobre seus efeitos clínicos.

Os BCAAs — em particular a leucina -, podem, de fato ativar vias de crescimento muscular. No entanto, a ingestão de proteínas completas não só é significativamente mais eficaz na ativação destes mecanismos quanto necessária para a construção muscular, pois fornecem todos os aminoácidos essenciais, e não apenas os três que compõem os BCAAs. Sem uma quantidade adequada e variada de TODOS os aminoácidos essenciais, não é possível, de fato, construir músculos.

Já sobre os suplementos proteicos (por exemplo whey, albumina, caseína ou soja), é importante destacar que seu consumo só se justifica em situações onde o consumo de proteínas não pode ser alcançado via dieta, ou há necessidade específica de complementação da alimentação habitual. Mesmo assim, e ao contrário do que os “influencers” de plantão gostariam que você acreditasse, o aumento do consumo proteico não possui propriedades miraculosas. Ele, sozinho, não é responsável por ganhos “instagramáveis” de massa muscular, servindo muito mais como adjuvante ao processo e com resultados bem mais modestos do que os rótulos de suplementos, e boa parte dos profissionais, normalmente sugerem.

Creatina e ganho de massa muscular

A creatina, ao contrário da maioria dos produtos comercializados, é um suplemento amplamente respaldado por evidências científicas e tem ganhado destaque por seus efeitos positivos no desempenho físico, especialmente em modalidades que dependam de força e potência. Ao aumentar a disponibilidade de fosfocreatina, um composto essencial para a rápida regeneração de energia, a suplementação com creatina permite que sustentemos esforços de alta intensidade por períodos ligeiramente mais longos, ou que consigamos manter maiores intensidades médias de exercício em condições de intermitência (esforços caracterizados por múltiplos estímulos de exercício de alta intensidade intercalados por intervalos de recuperação). Esse mecanismo pode potencializar indiretamente os ganhos de massa muscular, já que otimiza o estímulo do exercício, este sim responsável direto pelos ganhos de massa muscular. Desta forma, a creatina se torna uma opção atrativa para aqueles que desejam aumentar tanto o desempenho como o volume muscular.

Apesar de sua eficácia comprovada, muitos mitos sobre a creatina ainda são disseminados. Um dos mais comuns é a ideia de que a creatina causa danos aos rins. A literatura científica mostra, porém, que o uso de creatina nas doses recomendadas, de 3 a 5 gramas por dia, é seguro, mesmo a longo prazo, não se associando a problemas renais ou a qualquer outra piora de parâmetros clínicos. Cumpre destacar que o uso de creatina por pacientes portadores de doenças renais não é indicado, já que não há estudos sobre sua segurança para essa população. Outro mito bastante difundido é que a creatina pode causar desidratação, cãibras musculares ou problemas gastrointestinais. Entretanto, esses efeitos também foram refutados por diversas pesquisas e tais alegações não encontram respaldo científico. O que de fato ocorre, mas que não deve ser compreendido como um efeito negativo, é um possível e esperado aumento do volume hídrico dentro da célula muscular já que a creatina é lá armazenada. Esse efeito pode refletir no aumento de peso corporal que pode variar desde poucos gramas até 1-3 kg. Entretanto, esse aumento de peso não deve ser confundido com aumento de massa muscular ou de gordura, sendo resultado apenas do aumento da incorporação de água dentro da célula muscular a fim de equilibrar a osmolaridade do meio.

Embora muitos dos mitos populares sobre nutrição e treinamento sejam atraentes ao grande público, é crucial basear as condutas clínicas sobre Nutrição em evidências científicas. A nutrição esportiva, quando bem aplicada, pode otimizar o desempenho e os resultados desejados, seja no contexto de uma alimentação vegana, com o ajuste correto de proteínas, ou no uso de estratégias como o jejum intermitente e a escolha de suplementos específicos. Compreender os princípios da alimentação e treinamento e desmistificar as informações errôneas são passos fundamentais para alcançar objetivos de forma eficaz e saudável. Portanto, a educação contínua e o acompanhamento com profissionais qualificados são essenciais para uma abordagem bem-sucedida e informada para o ganho saudável de massa muscular.

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