ILSI em Foco – outubro/19 – Artigo

TODAS AS FIBRAS ALIMENTARES SÃO IGUAIS?

Dr. João Paulo Fabi (FCF USP)

Resultado de imagem para joão paulo fabiAtualmente, tem-se discutido como o consumo de refeições balanceadas com adequados conteúdos de micro e macronutrientes é essencial para se manter uma saúde apropriada. Dentre os macronutrientes, destacam-se os carboidratos. Estes podem ser divididos em dois tipos de classes segundo o aproveitamento nutricional distinto. Primeiramente, existem aqueles carboidratos que são metabolizados por enzimas produzidas pelo próprio organismo humano, gerando energia para a nossa sobrevivência (ex: amido). Em segundo, existem aqueles carboidratos resistentes à metabolização pelas enzimas humanas (ex: amidos resistentes, pectinas), sendo chamados de fibras alimentares (ANVISA, 2003).

As fibras alimentares são caracterizadas por serem, em sua grande maioria, oligossacarídeos e/ou polissacarídeos indigeríveis pelos seres humanos. Entretanto, muitas dessas moléculas podem ser degradadas por enzimas produzidas por microrganismos existentes no intestino humano, a chamada microbiota intestinal (Lin et al., 2018). E essa metabolização pela microbiota intestinal é dependente das características físico-químicas desses polissacarídeos, devendo essas serem adequadas para o ambiente intestinal, como por exemplo apresentando média/alta solubilidade em meio aquoso.

A grande maioria dos microrganismos da microbiota intestinal se encontram no intestino grosso dos seres humanos e são responsáveis, dentre outras funções, por manterem a homeostase intestinal frente ao crescimento exacerbado de microrganismos patogênicos que são deletérios para a saúde humana (Bäumler, Sperandio, 2016). E como esses microrganismos benéficos se “alimentam” dos mesmos componentes da dieta humana, com exceção daqueles degradados por enzimas endógenas e absorvidos em porções mais proximais do trato gastrointestinal, a expressão “a sua microbiota é o que você come” nunca esteve tão ressoante. Maiores considerações sobre a microbiota intestinal e suas possíveis modulações são assunto para um próximo tópico.

Voltando ao assunto das fibras alimentares, estas podem ser divididas em insolúveis e solúveis, frente à solubilidade em água. Alguns cientistas também segregam as fibras como sendo não-fermentáveis ou fermentáveis pela microbiota intestinal, mas isso também é outro assunto para tópicos adicionais, visto que algumas fibras solúveis em água não são fermentáveis ou são parcialmente fermentáveis pela microbiota intestinal (Vo, Lynch, Roberts, 2018). Por ora, utilizaremos a definição de solubilidade em água.

O consumo de ambas as frações de fibra dietética é importante para o bem-estar intestinal, sendo que as fibras insolúveis auxiliam no trânsito intestinal devido à formação mais linear do bolo fecal ao longo do trato gastrointestinal, o que estimula a contratilidade e os movimentos intestinais, exercendo assim um efeito laxativo. Exemplo de fibra insolúvel é a celulose presente na parede celular das plantas e encontrada em legumes e verduras frescas e nos farelos de grãos.

Já as fibras solúveis possuem outros efeitos biológicos positivos quando ingeridas na dieta. Destacam-se a formação de géis em contato com a água, resultando em um aumento da viscosidade do alimento e retardando o esvaziamento gástrico. Esse efeito físico indireto resulta em algumas vantagens para o organismo humano, pois no gel podem ficar aprisionados possíveis compostos tóxicos da dieta (Soliman, 2019). Além disso, a formação do gel causa saciedade, o que poderia ser proveitoso em dietas com restrição calórica. Exemplos de fibras solúveis são alguns oligossacarídeos (fruto e galactooligossacarídeos – FOS e GOS), pectinas de frutas e legumes, hemiceluloses (beta-glicanos de cereais e fungos, arabinoxilanos e arabinogalactanos de frutas e cereais) e gomas e mucilagens (goma guar, locuste, acácia, alginatos, ágar, carragenanas e psyllium). Pelo número de fibras solúveis e as fontes alimentares, já se imagina a complexidade dessas estruturas e, consequentemente, as diferenças dos efeitos biológicos.

E é aqui que reside a grande questão polêmica. Os efeitos das fibras insolúveis são muito claros. Isso porque, por definição, os componentes químicos considerados como fibras insolúveis são pouco variados (celulose e lignina, no caso). Já quando se trata de fibras solúveis, a variabilidade é enorme! Fonte alimentar, composição química, tamanho molecular, modificações químicas. É um conjunto de fatores que quando somados resultam em diversas possibilidades de efeitos biológicos.

A fermentação colônica das fibras solúveis é um ponto em que se pode discutir os diferentes efeitos biológicos resultantes das diferentes características físico-químicas das fibras solúveis. A alimentação com FOS e GOS pode resultar no crescimento específico de bactérias benéficas para o organismo humano produzindo maiores quantidades de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), benéficos para a saúde em vários aspectos (Prado, Castro-Alves, Ferreira, Fabi, 2019). Essa modulação de crescimento é pontual frente à suplementação com FOS e GOS, além de resultar em um crescimento de menor número distinto de bactérias. Isso ocorre devido à baixa complexidade química dessas fibras solúveis, demandando assim um reduzido aparato molecular de poucas determinadas bactérias. Já quando uma fibra solúvel mais complexa, como a pectina, é fermentada, também existe a produção de AGCC, mas devido a maior complexidade estrutural das pectinas, demanda-se um aparato mais sofisticado para a sua quebra, fazendo com que uma maior diversidade de bactérias cresça, incluindo diversas bactérias relacionadas a efeitos anti-inflamatórios (Larsen et al., 2019). Esses breves resultados aqui demonstrados indicam que nem todas as fibras solúveis são iguais podendo causar efeitos benéficos distintos. E é por isso que se deve discutir uma possível separação e identificação de fibras solúveis e insolúveis na rotulagem de alimentos. Como discutido acima, conclui-se que os efeitos de um alimento com “alto conteúdo de fibra” segundo a RDC nº 54 de 2012 (ANVISA, 2012) serão diferentes no organismo caso essas fibras adicionadas/presentes no alimento forem fibras insolúveis ou solúveis.

O marco regulatório de 2018 sobre suplementos alimentares, especificamente a Instrução Normativa nº 28/2018 (ANVISA, 2018), identifica as listas de constituintes, de limites de uso, de alegações e de rotulagem complementar das fibras alimentares possivelmente utilizadas em suplementos alimentares. Entretanto, ainda não se faz a distinção em fibras solúveis e insolúveis, além de não constar as possíveis alegações de modulação da microbiota intestinal por determinados tipos de fibras solúveis. Entendo que muitos estudos comprobatórios ainda devem ser efetuados para se incluir tais alegações de modulação da microbiota, mas os possíveis efeitos benéficos das fibras alimentares distintas em solúveis e insolúveis já são cientificamente precisos, devendo ser separados para não incorrer em inverdades acerca de alimentos com alto teor de fibras, mas exclusivamente contendo fibras insolúveis. Por fim, deve-se relevar também as técnicas oficiais de determinação de fibras solúveis, como por exemplo as enzimático-gravimétricas, em que as enzimas utilizadas elevam em muito o custo das análises (por exemplo o método AOAC 991.43), por muitas vezes inviabilizando a rotulagem de diversos alimentos como contendo fibras solúveis.

 

REFERÊNCIAS:

ANVISA, 2003. Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) número 360 de 23 de dezembro de 2003: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/2568070/res0360_23_12_2003.pdf

ANVISA, 2012. Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) número 24 de 12 de novembro de 2012: http://portal.anvisa.gov.br/documents/%2033880/2568070/rdc0054_12_11_2012.pdf

ANVISA, 2018. Instrução Normativa da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) número 28 de 26 de julho de 2018: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3898888/IN_28_2018_.pdf

Bäumler, A.J., Sperandio, V. (2016). Interactions Between the Microbiota and Pathogenic Bacteria in the Gut. Nature. 7; 535 (7610):85-93. doi: 10.1038/nature18849.

Larsen, N., Bussolo de Souza, C., Krych, L., Barbosa Cahú, T., Wiese, M., Kot, W., Jespersen, L. (2019). Potential of Pectins to Beneficially Modulate the Gut Microbiota Depends on Their Structural Properties. Frontiers in Microbiology, 10, 223. doi:10.3389/fmicb.2019.00223.

Lin, D., Peters, B.A., Friedlander, C., Freiman, H.J., Goedert, J.J., Sinha, R., Miller, G., Bernstein, M.A., Hayes, R.B., Ahn, J. (2018). Association of dietary fibre intake and gut microbiota in adults. The British Journal of Nutrition. 120(9):1014-1022. doi: 10.1017/S0007114518002465.

Prado, S.B.R., Castro-Alves, V.C., Ferreira, G.F., Fabi, J.P. (2019). Ingestion of Non-digestible Carbohydrates From Plant-Source Foods and Decreased Risk of Colorectal Cancer: A Review on the Biological Effects and the Mechanisms of Action. Frontiers in Nutrition. 15; 6:72. doi: 10.3389/fnut.2019.00072.

Soliman, G.A. (2019). Dietary Fiber, Atherosclerosis, and Cardiovascular Disease. Nutrients, 11(5), 1155; doi:10.3390/nu11051155.

Vo, T. D., Lynch, B. S. and Roberts, A. (2019), Dietary Exposures to Common Emulsifiers and Their Impact on the Gut Microbiota: Is There a Cause for Concern?. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, 18: 31-47. doi:10.1111/1541-4337.12410.