ILSI em Foco – novembro/19 – Artigo

Dilemas da alimentação moderna: o papel das tecnologias emergentes no processamento de alimentos

Dr. Marcelo Cristianini – UNICAMP

Comemos para viver ou vivemos para comer? Este não é nem de longe o maior dilema da alimentação nos dias de hoje. O consumidor moderno quer saber de tudo. A decisão da compra de alimentos pelo consumidor moderno tem ido além das características sensoriais e nutricionais.  Existe, hoje, uma tendência de saber de onde vem, como é processado e o histórico de sustentabilidade dos alimentos (1). A pressão por transparência na produção de alimentos está cada vez mais alta no mundo inteiro, principalmente entre os jovens (2). O grande problema é que passamos por um momento muito grande de desinformação sobre processamento e consumo de alimentos.  Isto tem levado o consumidor a uma verdadeira quimiofobia (6), ou uma aversão a produtos processados.

Por que processamos alimentos? O processamento vai além de fornecer alimentos nas entressafras ou longe das regiões produtoras. Segundo a FAO (7), a segurança alimentar existe quando toda pessoa, em todo momento, tem acesso físico e econômico a alimentos suficientes, inócuos e nutritivos para satisfazer suas necessidades alimentares e preferências a fim de levar uma vida saudável e ativa. O processamento de alimentos tem um papel fundamental na garantia desta segurança em toda sua extensao. Porém, o dinamismo proporcionado pelas transformações econômicas, socioculturais e demográficas tem um impacto direto no estilo de vida da população. A preocupação com a saúde surge como elemento central na busca por mudanças de hábitos, enquanto sugere um aumento na demanda por produtos que combinem praticidade, sabor, nutrição e bem-estar.

Dessa forma, algumas tecnologias emergentes no processamento de alimentos estão se tornando cada vez mais importantes para a indústria alimentícia, com o objetivo de fornecer produtos seguros, mantendo as características sensoriais e nutricionais próximas às dos produtos frescos.  As tecnologias de Alta Pressão (HPP – high pressure processing) e Campos Elétricos Pulsados (PEF – Pulse Eletric Fields) ​​são consideradas não-térmicas e mostram ser possível obter produtos seguros, com características sensoriais idênticas às de alimentos frescos, mantendo os nutrientes e, por vezes, melhorando a biodisponibilidade destes. Dentre as tecnologias que utilizam calor, aquecimento ôhmico (OH – Ohmic heating) e a aplicação de micro-ondas permitem processos térmicos rápidos, capazes de minimizar as perdas sensoriais e nutricionais dos alimentos.

Sem dúvida alguma, a tecnologia de alta pressão é a que tem ganho maior destaque entre as tecnologias emergentes de processamento de alimentos. Consiste em submeter os alimentos em suas embalagens finais (flexíveis ou semi-rígidas) a pressões que vão até 600MPa por tempos próximos a 3 min e temperaturas abaixo de 30oC. Os tempos curtos a baixas temperaturas garantem a retenção de nutrientes e sabores próximos aos dos alimentos in natura, o que não é fácil de ser atingido por processos térmicos convencionais (3)(4)(5). O princípio isostático, o qual afirma que a pressão é transmitida instantânea e uniformemente através do alimento, garante que todo alimento esteja sob as mesmas condições de processo, independentemente do tamanho da embalagem. Esse processo pode ser usado para processar alimentos líquidos, semi-sólidos ou sólidos. A HPP elimina facilmente a flora microbiana patógena e deteriorante dos alimentos, aumentando a sua segurança, garantindo a vida útil dos alimentos distribuídos pela cadeia de frio. A inativação do microrganismo por essa tecnologia se dá pelo rompimento das ligações não covalentes presentes nas proteínas, lipídeos, polissacarídeos e ácido nucleicos. Quando a alta pressão é aplicada, a alteração na permeabilidade da membrana, as modificações da morfologia da célula, a interferência no mecanismo genético e inativação de enzimas acaba por levar à inativação dos microrganismos.

A tecnologia de alta pressão tem crescido muito na última década. Estima-se que o mercado represente cerca de US $ 1,1 bilhão em 2018 e projeta-se um valor de quase US $ 2,7 bilhões até 2023, crescendo a uma taxa anual de 19,8% a partir de 2018 (8). Os principais mercados tem sido os de produtos prontos para consumo: carnes, pratos prontos, sucos e bebidas.

 

Os consumidores de hoje estão mais informados e preocupados com a saúde do que qualquer outra geração e começaram a pesar um novo conjunto de fatores durante as decisões de compra. As tecnologias emergentes no processamento de alimentos são uma excelente alternativa frente a processos convencionais para suprir as novas necessidades do consumidor garantindo a segurança alimentar.