ILSI em Foco – março 2021 – Artigo

Alimentação e Genética: uma ‘conversa’ muito importante!

Dra. Cristiane Cominetti (Universidade Federal de Goiás)

Desde crianças somos acostumados a ouvir frases do tipo: ela é a “cara” da mãe (ou do pai)”; ele “puxou” à mãe/pai; é “igualzinho(a)” à mãe/pai…entre outras! Em geral essas afirmações estão relacionadas a aspectos da aparência física, como altura, cor dos olhos, cor do cabelo…e, também, a algumas características de comportamento. De fato, a herança genética dos nossos ascendentes, principalmente mãe e pai, é determinante de nossas características visíveis, que também chamamos de “fenótipo”. Mas você sabia que o fenótipo vai muito além destas características?

Características relacionadas à saúde metabólica e à composição corporal, como níveis de colesterol e de açúcar no sangue; peso e percentual de gordura corporal, por exemplo, também compõem nosso fenótipo. Esses e outros fatores que determinam nossa saúde e o risco que temos de desenvolver certas doenças também são influenciados fortemente pela herança genética. Entretanto, diferente da cor dos olhos e da pele, por exemplo, esses fatores são também muito impactados por nossos hábitos de vida, incluindo a prática de atividade física, a exposição ao estresse e à poluição, o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e, em especial, a alimentação. De acordo com Ordovas & Corella (2004), a alimentação é o principal fator ambiental que regula a forma com que nossos genes desempenham suas funções.

Nesse contexto, depois da finalização do Projeto Genoma Humano1 (NHGRI, 2012), em 2003, a ciência da nutrição tem se debruçado no estudo das interações entre nossos genes e as substâncias encontradas nos alimentos (carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas, minerais e compostos bioativos ou fitoquímicos). A área da ciência da nutrição que estuda estes aspectos é conhecida como Genômica Nutricional, e esta é dividida em três subáreas: a Nutrigenômica, a Nutrigenética, e a Epigenômica Nutricional.

A Nutrigenômica estuda os efeitos dos nutrientes e dos compostos bioativos dos alimentos na forma com que muitos dos nossos genes exercem suas funções e as consequências dessa interação nas relações entre saúde e doenças. Já a Nutrigenética estuda como a variabilidade genética existente entre os indivíduos influencia as necessidades de nutrientes, o estado de saúde e o risco de desenvolvimento de doenças. Por fim, a Epigenômica Nutricional estuda a interação entre nutrientes e compostos bioativos e modificações no genoma humano que não envolvem variações na sequência dos nucleotídeos do DNA (Camp & Trujillo, 2014; Cominetti, Rogero & Horst, 2017; Cominetti, Rogero & Horst, 2020).

Um exemplo importante relacionado à Nutrigenômica é o papel da vitamina D na regulação do “trabalho” de muitos de nossos genes. Esta vitamina tem atuação importante no metabolismo esquelético (saúde dos ossos), e também exerce funções genômicas muito significativas, pois tem a habilidade de se ligar a um receptor, chamado de receptor de vitamina D, e então, no núcleo das células, se ligar em regiões específicas do DNA, regulando o “trabalho” de genes como aquele que produz a proteína ‘p53’. Essa proteína é conhecida como “guardiã” do nosso organismo em relação a alterações que podem resultar no aparecimento de diversos tipos de câncer (Nagpal, Na & Rathnachalam, 2005). Esse é somente um exemplo de nutriente que está envolvido com a regulação do trabalho dos nossos genes; existem muitos mais!

Em relação à Nutrigenética, “variabilidade genética” se refere às diferenças que os seres humanos apresentam na sequência dos nucleotídeos do DNA (as conhecidas “letrinhas” A, C, T e G – de adenina, citosina, timina e guanina). Um dos grandes resultados do Projeto Genoma Humano foi que a sequência dessas “letrinhas” no DNA dos seres humanos é 99,5% igual, e os 0,5% restantes são responsáveis por todas as nossas diferenças fenotípicas, ou seja, cor do cabelo, pele e olhos; peso, altura, necessidades de nutrientes e muitas outras características. Você pode estar pensando que 0,5% é muito pouco para determinar tantas diferenças, mas precisamos lembrar que o genoma humano é formado por 3,2 bilhões de pares de nucleotídeos. E um exemplo interessante relacionado à Nutrição é sobre consumo de ovos e modificações nos níveis de colesterol no sangue (Herron et al., 2006). As respostas do colesterol no sangue são influenciadas por variações (trocas de “letrinhas”) em genes envolvidos no metabolismo das gorduras, portanto, o consumo de ovos pode ou não modificar os níveis sanguíneos de colesterol. Só para lembrar, as trocas de “letrinhas” podem ter resultados negativos ou positivos em nossa saúde!

Quando falamos em Epigenômica Nutricional, podemos fazer a seguinte pergunta: ‘você sabia que a alimentação da sua bisavó pode influenciar na sua saúde?’ É isso mesmo, esta ciência estuda modificações no DNA que não resultam em troca de “letrinhas”, mas que regulam o “trabalho” dos nossos genes e podem ser passadas de geração em geração. Diversos fatores, incluindo a alimentação, podem “ligar” ou “desligar” alguns genes, o que pode ser bom ou não. Por exemplo, se sua bisavó teve um gene relacionado ao gasto de energia desligado, você pode ter mais facilidade para ganhar peso (Lumey et al., 2007). Mas claro que isso também depende muito de diversos outros fatores!

Agora que você tem todas essas informações, da próxima vez que ouvir que ora comer ovo “faz bem” ora “faz mal” para a saúde, ou lembrar daquele(a) amigo(a) que come muito e tem dificuldade para ganhar peso, ao contrário de outro que ganha peso com muita facilidade, você já poderá responder com uma das grandes afirmações utilizadas em Nutrição: “DEPENDE”, entre várias outras coisas, de aspectos relacionados à Genômica Nutricional.

 

Referências:

Camp KM, Trujillo E. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: nutritional genomics. J Acad Nutr Diet. 2014; 114(2):299-312.

Cominetti C, Rogero MM, Horst MA. Genômica Nutricional – dos Fundamentos à Nutrição Molecular. Barueri: Manole, 2017. 528 p.

Cominetti C, Rogero MM, Horst MA. Genômica Nutricional. In: Cominetti C, Cozzolino SMF. Bases Bioquímicas e Fisiológicas da Nutrição: nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. 2 ed. Barueri: Manole, 2020. p. 880-905.

Herron KL, McGrane MM, Waters D, Lofgren IE, Clark RM, Ordovas JM, Fernandez ML. The ABCG5 polymorphism contributes to individual responses to dietary cholesterol and carotenoids in eggs. J Nutr. 136(5):1161-5, 2006.

Lumey LH, Stein AD, Kahn HS, van der Pal-de Bruin KM, Blauw GJ, Zybert PA, Susser ES. Cohort profile: the Dutch Hunger Winter families study. Int J Epidemiol. 36(6):1196-204, 2007.

Nagpal S, Na S, Rathnachalam R. Noncalcemic actions of vitamin D receptor ligands. Endocr Rev. 26(5):662-687, 2005.

NHGRI – National Human Genome Research Institute. An Overview of the Human Genome Project: A Brief History of the Human Genome Project (2012). Disponível em: https://www.genome.gov/human-genome-project/What. Acesso 07 de outubro de 2020.

Ordovas JM, Corella D. Genes, diet and plasma lipids: the evidence from observational studies. World Rev Nutr Diet. 2004; 93:41-76.