ILSI em Foco – julho 2021 – artigo

Prevenir ou remediar: será que estamos fazendo a escolha certa sobre a nossa alimentação?

Dra. Andrea Bonvini, Nutricionista, Doutora em Ciências pela USP.

O papel dos nutrientes na saúde humana é um tema em constante debate na sociedade, ocupando espaço desde o programa vespertino da televisão até as mais renomadas revistas científicas. Não é novidade que a nutrição adequada pode melhorar a qualidade de vida e mitigar o risco de doenças e comorbidades. Os estudos científicos, aliás, são bastante categóricos nesse sentido, incentivando o consumo de frutas, verduras e grãos integrais que fornecem nutrientes essenciais para o bom funcionamento do organismo.

No entanto, apesar de haver clareza suficiente nessas orientações alimentares, aparentemente, ainda não as incorporamos totalmente em nossa rotina. Observa-se que o comportamento e os hábitos alimentares da população estão mudando expressivamente ao longo dos anos, favorecendo o processo de transição nutricional, no qual, a redução do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados e o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, hipercalóricos, ricos em sal, açúcar e aditivos alimentares, favorecem o aumento da incidência e da prevalência de obesidade e de doenças crônicas como diabetes, hipertensão, câncer etc. Soma-se a esse processo, ainda, o fato de estamos cada vez mais sedentários, visto que a prática de exercícios físicos faz parte do dia a dia de apenas uma pequena parcela da população (Vigitel, 2019). Observe como o cenário não parece muito promissor em relação à saúde da população. Agora, podemos adicionar a esse enredo, a grande protagonista do momento: a pandemia.

Diversos estudos têm investigado como o comportamento alimentar das pessoas foi modificado durante a pandemia, e os resultados não são nada otimistas. Uma pesquisa conduzida no Reino Unido observou que os ingleses passaram a consumir mais alimentos hipercalóricos e apresentaram maior tendência a se alimentarem por motivos emocionais durante a pandemia, sendo esse comportamento mais prevalente entre as mulheres e entre aqueles que permaneceram em isolamento domiciliar (Coulthard et al., 2021). Essas alterações alimentares também foram observadas em um estudo conduzido na Itália, sendo que os autores destacam os sentimentos de depressão, ansiedade, hipocondria e insônia, como os principais motivos que favoreceram essas escolhas alimentares (Di Renzo et al., 2020). O sedentarismo também prevaleceu nesse período, uma vez que houve redução expressiva da frequência semanal e da duração diária das atividades físicas, e aumento no número de horas em que os indivíduos permaneceram sentados ao longo do dia, fatores esses que, também, podem influenciar negativamente o nosso comportamento alimentar (Ammar et al. 2020).

Todavia, por mais contraditório que pareça, a busca virtual por assuntos relacionados à alimentação saudável e à nutrição apresentou crescimento expressivo nesse último ano. De fato, ferramentas de pesquisa na internet mostram um pico na frequência de busca pelos termos “como aumentar a imunidade” e “alimentos e imunidade” entre os meses de março e abril de 2020 (Figura 1) (Dados baseados em e corroborados por Onchonga, 2020). Esses dados são particularmente interessantes, pois eles sugerem a ocorrência de uma prática perigosa: a automedicação e a auto-suplementação.

Durante esse período difícil é mais provável que busquemos informações médicas e nutricionais a partir de fontes online, tanto pela facilidade de acesso, quanto pelo medo da exposição ambiental e social que nos sujeitamos ao procurar um serviço de saúde. Porém, orientações pouco acuradas ou veiculadas a partir de fontes duvidosas podem favorecer o uso de certos suplementos alimentares cuja alegação envolve a proteção contra a infecção pelo vírus e o fortalecimento do sistema imunológico (Malik, et al., 2020). Por certo, nos Estados Unidos as vendas de suplementos alimentares como sabugueiro e zinco aumentaram significativamente em até 255% e 415%, respectivamente, em uma única semana de março de 2020 (Adams et al., 2020).

Vale ressaltar que os suplementos alimentares têm contribuído para a evolução da sociedade em diversos aspectos, possibilitando o aumento da expectativa de vida, o tratamento de doenças e a prevenção e correção de distúrbios nutricionais, porém, a utilização desses produtos deve sempre ser feita a partir da prescrição e da orientação de um profissional de saúde habilitado. A seguir, gostaria de explicar o porquê dessa recomendação.

Estudos mostram que os nutrientes podem, efetivamente, interagir com o sistema imune; a esses, é atribuída a nomenclatura imunonutrientes, ou seja, nutrientes que não apenas exercem o seu papel nutricional básico, mas que também atuam em vias específicas, modulando as respostas imunes. Todavia, sabe aquela frase “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”? Pois bem, modular a resposta imune pode tanto significar reduzi-la quanto exacerbá-la, sendo que os resultados benéficos obtidos ao se induzir um ou outro desses efeitos, dependerão diretamente e quase que exclusivamente da situação clínica em que o indivíduo se encontra, e do tipo, da dose e do sinergismo entre os imunonutrientes utilizados.

É possível citar a vitamina C como um exemplo de imunonutriente com esse papel ambíguo, uma vez que pode atuar tanto na diminuição quanto no aumento da resposta imune. Ou seja, a vitamina C como um agente antioxidante, pode apresentar efeitos benéficos em alguns contextos, prevenindo os danos de radicais livres no organismo e reduzindo a inflamação celular, agora, em outras situações, seu efeito pró-oxidante pode favorecer uma condição chamada de estresse oxidativo, presente no desenvolvimento e no curso de diversas doenças inflamatórias.

Nesse contexto dos antioxidantes, cabe relembrar uma publicação de 2013 na renomada revista científica Trends in Pharmacological Sciences da Cell Press, que trouxe alguns dos maiores equívocos relacionados aos antioxidantes, dentre os quais, destacam-se os seguintes: (I) antioxidantes curam qualquer doença; (II) antioxidantes são todos iguais e atuam da mesma forma em qualquer contexto; (III) quanto mais antioxidantes, maior o efeito benéfico (Bast & Haenen, 2013). Com essa última alegação (III), podemos, novamente, ressaltar o papel ambíguo dos imunonutrientes. Por exemplo, a ingestão diária média recomendada de β-caroteno é de 2 a 7 mg, dose associada à efeitos benéficos na saúde. Em contrapartida, pesquisas mostram que o consumo desse mesmo composto em doses elevadas ou em contextos de saúde-doença específicos, pode trazer efeitos prejudiciais ao organismo. Exemplificando, observe os resultados obtidos no estudo de Koushik et al., (2006), no qual a suplementação com 20 mg de β-caroteno em homens tabagistas aumentou a incidência de câncer de pulmão em 18%.

Logo, percebe-se que o problema não está no uso desses produtos, per se, mas na ausência da orientação de um profissional de saúde habilitado para avaliar a real necessidade de uso e que possua os conhecimentos acerca das doses e dos efeitos dos nutrientes em casos específicos.

Alimentação inadequada, sedentarismo, doenças, transtornos psicológicos, auto-suplementação e falta de acompanhamento profissional…O que esperar de um cenário onde todos os personagens parecem vilões?

É fato que a saúde pública ainda enfrenta diversos desafios para que a assistência profissional adequada seja amplamente acessada e para que as campanhas de prevenção de doenças e de promoção de hábitos saudáveis impactem positivamente na vida de todos. Porém, também não cabe a cada um de nós refletir sobre as escolhas diárias que fazemos? Afinal, apenas uma população verdadeiramente consciente e responsável pelos seus cuidados individuais poderá caminhar rumo a uma sociedade mais desperta, atenta e saudável em sua totalidade. Por isso, aqui fica a pergunta: você está fazendo as escolhas certas sobre a sua alimentação e sobre os seus hábitos de saúde?

 

Referências:

  1. Ammar A, Brach M, Trabelsi K, Chtourou H, Boukhris O, Masmoudi L, Bouaziz B, Bentlage E, How D, Ahmed M, Müller P, Müller N, Aloui A, Hammouda O, Paineiras-Domingos LL, Braakman-Jansen A, Wrede C, Bastoni S, Pernambuco CS, Mataruna L, Taheri M, Irandoust K, Khacharem A, Bragazzi NL, Chamari K, Glenn JM, Bott NT, Gargouri F, Chaari L, Batatia H, Ali GM, Abdelkarim O, Jarraya M, Abed KE, Souissi N, Van Gemert-Pijnen L, Riemann BL, Riemann L, Moalla W, Gómez-Raja J, Epstein M, Sanderman R, Schulz SV, Jerg A, Al-Horani R, Mansi T, Jmail M, Barbosa F, Ferreira-Santos F, Šimunič B, Pišot R, Gaggioli A, Bailey SJ, Steinacker JM, Driss T, Hoekelmann A. Effects of COVID-19 Home Confinement on Eating Behaviour and Physical Activity: Results of the ECLB-COVID19 International Online Survey. Nutrients. 2020 May 28;12(6):1583. doi: 10.3390/nu12061583. PMID: 32481594; PMCID: PMC7352706.
  2. Coulthard H, Sharps M, Cunliffe L, van den Tol A. Eating in the lockdown during the Covid 19 pandemic; self-reported changes in eating behaviour, and associations with BMI, eating style, coping and health anxiety. Appetite. 2021 Jun 1;161:105082. doi: 10.1016/j.appet.2020.105082. Epub 2021 Jan 18. PMID: 33476651; PMCID: PMC7976455.
  3. Di Renzo L, Gualtieri P, Cinelli G, Bigioni G, Soldati L, Attinà A, Bianco FF, Caparello G, Camodeca V, Carrano E, Ferraro S, Giannattasio S, Leggeri C, Rampello T, Lo Presti L, Tarsitano MG, De Lorenzo A. Psychological Aspects and Eating Habits during COVID-19 Home Confinement: Results of EHLC-COVID-19 Italian Online Survey. Nutrients. 2020 Jul 19;12(7):2152. doi: 10.3390/nu12072152. PMID: 32707724; PMCID: PMC7401000.
  4. Onchonga D. A Google Trends study on the interest in self-medication during the 2019 novel coronavirus (COVID-19) disease pandemic. Saudi Pharm J. 2020;28(7):903–4.
  5. Malik, M., Tahir, M. J., Jabbar, R., Ahmed, A., & Hussain, R. (2020). Self-medication during Covid-19 pandemic: challenges and opportunities. Drugs & Therapy Perspectives. doi:10.1007/s40267-020-00785-z.
  6. Adams KK, Baker WL, Sobieraj DM. Myth Busters: Dietary Supplements and COVID-19. Ann Pharmacother. 2020 Aug;54(8):820-826. doi: 10.1177/1060028020928052. Epub 2020 May 12. PMID: 32396382.
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  12. Koushik A, Hunter DJ, Spiegelman D, Anderson KE, Buring JE, Freudenheim JL, Goldbohm RA, Hankinson SE, Larsson SC, Leitzmann M, Marshall JR, McCullough ML, Miller AB, Rodriguez C, Rohan TE, Ross JA, Schatzkin A, Schouten LJ, Willett WC, Wolk A, Zhang SM, Smith-Warner SA. Intake of the major carotenoids and the risk of epithelial ovarian cancer in a pooled analysis of 10 cohort studies. Int J Cancer. 2006 Nov 1;119(9):2148-54. doi: 10.1002/ijc.22076. PMID: 16823847.