ILSI em Foco – julho 2020 – artigo

O papel das fibras na modulação da microbiota e imunidade

Dra. Leila Hashimoto – Nutricionista (FSP/USP), Doutora em Ciências (FCF/USP), Consultora científica da Tate&Lyle e Bioma4me.

Engana-se quem acha que o intestino é meramente um órgão digestivo e absortivo. Já é crescente o interesse mundial dos pesquisadores nas funções associadas ao intestino para a saúde global do indivíduo, sobretudo pela presença da maior e mais diversa comunidade microbiana que coloniza o organismo, denominada “microbiota intestinal”. Esse ecossistema é composto por 100 bilhões de bactérias, vírus, fungos e protozoários, que agregam as funções de fermentação de nutrientes, síntese de vitaminas, nutrição das células intestinais, metabolização de substâncias estranhas ao organismo (xenobióticos), proteção contra bactérias patogênicas e funções imunes (CRESCI e BAWDEN, 2015). 

A microbiota faz parte da primeira camada de defesa da barreira intestinal, pela secreção de substâncias antimicrobianas, exclusão competitiva entre microrganismos, limitação de micronutrientes, entre outros mecanismos de resistência à infecção. O intestino concentra cerca de 70% das células imunes do organismo no tecido linfoide associado ao intestino (GALT) (FARRÉ et al., 2020). Devido a tamanha importância, a saúde intestinal e da microbiota deve ser incluída nas estratégias nutricionais e de prevenção e tratamento de doenças. A condição de desequilíbrio da composição da microbiota (disbiose) e a hiperpermeabilidade intestinal (leaky gut) estão relacionadas com inúmeras doenças, como obesidade, diabetes mellitus tipo 2, alergias, doenças intestinais, câncer, etc. Na pandemia do COVID-19, é oportuno promover a modulação precoce da microbiota a fim de manter o equilíbrio e a ação ótima do sistema imune. 

Diferentes estratégias nutricionais vêm sendo investigadas com o objetivo de modular a composição da microbiota, incluindo fibras prebióticas, probióticos, simbióticos, proteínas de origem vegetal, ômega 3, polifenois e minerais. Estima-se que cerca de 57% das variações da microbiota intestinal sejam explicadas por fatores nutricionais (THORNBURN et al., 2014). Dietas à base de alimentos de origem vegetal, com alto consumo de fibras e reduzido em gorduras saturadas, como a dieta mediterrânea, regulam a composição da microbiota, com aumento de bactérias benéficas (Bifidobacterium, Lactobacillus, Roseburia, Eubacterium rectale, Faecalibacterium prausnitzii) e redução daquelas potencialmente patogênicas e oportunistas (Enterobacteria, Clostridium, Alistipes) (MAKKI et al., 2018). Esse tipo de padrão alimentar contribui para um ambiente intestinal equilibrado, manutenção da homeostase do sistema imune e da saúde.

As fibras são nutrientes centrais e muito estudados na modulação da composição e atividade das bactérias intestinais. Dentre as diversas classificações das fibras, as prebióticas são definidas como componentes alimentares não digeríveis que são seletivamente utilizados por microrganismos do hospedeiro conferindo benefício à saúde (GIBSON et al., 2017). Os principais efeitos dessas fibras são modulação da composição de bactérias de forma benéfica, produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), preservação da barreira intestinal e resposta imune e anti-inflamatória. Alguns exemplos de fibras prebióticas são amido e maltodextrina resistente (também nomeada como fibra solúvel de milho), pectina, beta-glicano, frutanos (como inulina e fruto-oligossacarídeos). Os alimentos que apresentam maior quantidade dessas fibras são chicória, alho, banana (principalmente verde), alcachofra, batata yacon e alimentos enriquecidos com essas fibras.

Um dos principais mecanismos de ação da microbiota é por meio dos AGCC (butirato, acetato, propionato), benéficos ao próprio ambiente intestinal e sistemicamente aos tecidos musculares, hepático, adiposo, nervoso central, entre outros. O potencial prebiótico já foi observado por inúmeros estudos com fibras naturalmente presentes ou adicionadas em alimentos. A suplementação de fibra solúvel de milho, por exemplo, foi capaz de aumentar significativamente a abundância de Bifidobacterium spp. com a dose de 6 gramas e reduzir as bactérias patogênicas Clostridium histolyticum e perfringens com a dose de 14 gramas (COSTABILE et al., 2016).

A modulação da microbiota tem sido utilizada como estratégia para manutenção da saúde intestinal e global do indivíduo. As fibras são nutrientes que se destacam para essa finalidade e podem ser incorporadas no plano dietético para prevenção e tratamento de doenças. Dados preliminares mostram o potencial efeito das fibras prebióticas na saúde imune, mas ainda são necessários mais estudos intervencionais e com maiores populações.

 

CRESCI e BAWDEN E. Nutr Clin Pract 2015; 30 (6): 734746. 

FARRÉ R et al. Nutrients. 2020;12(4):1185. 

THORBURN et alImmunity. 2014;40(6):833842.

MAKKI et al. Cell Host Microbe. 2018;23(6):705715

GIBSON GR et al. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017;14(8):491502

COSTABILE et alPLoS One. 2016;11(1):e0144457.