ILSI em Foco – janeiro 2021 – artigo

Aminas Bioativas: Relevância nos Alimentos e na Saúde.

Profa. Maria Beatriz Abreu Gloria, PhD, Departamento de Ciências do consumo, UFRPE, Recife, PE

 

Aminas bioativas, ou biologicamente ativas, são substâncias nitrogenadas de baixo peso molecular, formadas durante o metabolismo normal dos seres vivos, e desempenham funções metabólicas e fisiológicas essenciais.  As aminas podem ser classificadas de diversas maneiras (número de grupos amino, estrutura química, funções que exercem e via biossintética).  Entretanto, o mais usual é classificar as aminas em poliaminas e aminas biogênicas.  As poliaminas são responsáveis pelo crescimento e saúde.  As aminas biogênicas exercem atividades vaso- e neuro-ativas relevantes.

As poliaminas incluem a espermidina e a espermina, as quais foram assim denominadas por terem sido isoladas pela primeira vez de fluido seminal.  As poliaminas são sintetizadas preferencialmente via ornitina, podendo ocorrer também via arginina, agmatina e citrulina.  Além de serem relevantes para o crescimento e saúde, desempenham papel importante na maturação e renovação da mucosa intestinal.  Isto pode ser atestado pela ocorrência de poliaminas no leite materno, com maiores teores no colostro, período em que ocorre a maturação do sistema imune e do intestino dos recém nascidos.  Além disto, as poliaminas, pela estrutura policatiônica, são eficientes sequestradores de radicais livres, prevenindo processos oxidativos.

As aminas biogênicas são formadas pela descarboxilação de aminoácidos livres.  Estas podem ser inerentes aos alimentos ou serem formadas durante o processamento, havendo a necessidade de se ter aminoácidos livres, que podem estar presentes nos alimentos ou serem liberados por hidrólise proteica.  A descarboxilação dos aminoácidos livres pode ocorrer durante tratamento térmico intenso (e.g., torrefação) ou por ação de enzimas de micro-organismos da microbiota inerente ao produto, contaminante ou adicionada (culturas iniciadoras).  A histamina é formada pela descarboxilação do aminoácido histidina, tiramina da tirosina, cadaverina da lisina, triptamina do triptofano, agmatina da arginina, dentre outros.  Alimentos fermentados são mais susceptíveis à formação de aminas biogênicas por sofrerem atividade proteolítica.  As aminas biogênicas, em baixas concentrações, exercem papeis importantes para a saúde.  Como exemplos, a histamina é vasodilatadora periférica e imunoprotetora; a serotonina e a histamina estão associadas ao sono, apetite e enjoo; serotonina e feniletilamina são moduladoras do humor, promovem estados de alerta e bem estar; a agmatina promove a perda de gordura e é cardio- e neuroprotetora (depressão, doenças de Parkinson e Alzheimer); as aminas aromáticas (tiramina, feniletilamina e triptamina) são vasoconstritoras.  Entretanto, algumas aminas biogênicas podem causar efeitos adversos a saúde.  Isto pode acontecer quando a concentração das aminas nos alimentos é elevada ou quando o sistema de metabolização das aminas no individuo é inibido por deficiência genética ou no caso de o indivíduo estar fazendo uso de medicamentos inibidores das enzimas metabolizadoras das aminas.  

As aminas biogênicas mais envolvidas em casos ou surtos de intoxicação são a histamina e a tiramina.  Infelizmente há subnotificação de casos por desconhecimento dos acometidos, que não procuram atendimento médico ou serviços de emergência.  Os sintomas da intoxicação histamínica incluem hipotensão, rubor facial, eritema no pescoço e tórax, cefaleia, tontura, podendo ocorrer choque anafilático.  De acordo com a European Food Safety Authority (EFSA), os níveis sem efeitos adversos observados (no observed adverse effect level – NOAEL) para a histamina, por refeição, são até 50 mg de histamina para indivíduos normais e abaixo de níveis detectáveis para indivíduos sensíveis a histamina.  Os alimentos mais incriminados em intoxicação por histamina são os peixes das famílias Scombridae, Scombresocidae, e Clupeidae, (razão da denominação de intoxicação por escombrídeos), e produtos fermentados, incluindo queijos de longa maturação, queijo ralado, salame, vinho, cerveja.  Existe legislação específica para histamina em peixes da família Scombridae e similares no Brasil e no mundo, sendo o máximo permitido de 10 mg/100 g.  Com relação a tiramina, os sintomas da intoxicação incluem hipertensão, inflamação cutânea, enxaqueca e crise hipertensiva em indivíduos em tratamento com medicamentos inibidores de monoaminaoxidase (IMAO).  Estes medicamentos são muito usados por serem eficazes no tratamento da depressão, problema comum no mundo atual.  A isoniazida, usada no tratamento de tuberculose também é IMAO.  O EFSA também propôs um NOAEL para a tiramina por refeição com valores de até 600 mg para indivíduos normais; 50 mg e 6 mg para indivíduos em tratamento com IMAO de terceira geração e clássico, respectivamente.  Os alimentos mais associados à intoxicação por tiramina são os queijos maturados (daí a denominação de ‘cheese reaction’), queijo ralado, anchova, salame, vinho e cerveja.  Não existe legislação para tiramina em alimentos, entretanto algumas indústrias já estão informando no rótulo que o alimento é ‘livre de histamina ou tiramina’, permitindo, desta forma, um uso seguro do alimento por indivíduos sensíveis aos efeitos adversos destas aminas. 

A prevenção da formação e do acúmulo nocivo de aminas biogênicas em alimentos é necessária, visto que aminas são resistentes ao tratamento térmico, permanecendo no produto.  Estratégias para prevenir a formação das aminas biogênicas devem ser adotadas, incluindo: uso de condições higiênico-sanitárias adequadas e manutenção da temperatura o mais baixa possível em toda a cadeia – ‘farm to fork’; uso de matéria prima de excelente qualidade; seleção de cultivares/raças de alimentos adequados; uso de culturas iniciadoras que não possuem enzimas descarboxilase que atuam nos amino ácidos; controle das condições de fermentação; uso de ingredientes ou aditivos inibidores da formação de aminas; uso de processos alternativos para minimizar a formação (alta-pressão, irradiação etc); dentre outros.   

 

Referências bibliográficas

Gloria, M.B.A. 2006. Bioactive amines. In: HUI, H.; NOLLET, L. L. (Ed.). Handbook of Food Science, Technology, and Engineering. New York: Marcel Dekker, v.4, p.1-38.

Kalač, P. 2014. Health effects and occurrence of dietary polyamines: a review for the period 2005 – mid 2013. Food Chemistry, 161, 27-39.

Moreira, G.M.M.; Custodio, F.B.; Gloria, M.B.A. 2015. Aminas biogênicas em queijos.  Informe agropecuário, 36, 284, 14-18.