ILSI em Foco – janeiro/2020 – artigo

 

Castanha do Brasil: aspectos nutricionais e de saúde

Silvia Maria Franciscato Cozzolino, PhD
Nutricionista, Professora Titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo

Graziela Biude Silva Duarte, PhD
Nutricionista, Doutora em Ciências pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo

 

A castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa, H.B.K) é uma espécie nativa da Amazônia que pertence à família Lecythidaceae. Em relação aos aspectos botânicos, a castanha-do-brasil é a semente localizada dentro do fruto da castanheira, denominado ouriço (1). No Brasil, a região Amazônica é o local de maior produção de castanha-do-brasil, no entanto, países como Bolívia e Peru, também participam desse mercado (2).

Nos aspectos nutricionais, a distribuição de macronutrientes segue a seguinte ordem: lipídeos com maiores concentrações (~65%), seguido pelas proteínas (~15%) e carboidratos (~14%) (1, 3). Em comparação com outras nozes, como amêndoas e pistache, a castanha-do-brasil apresenta baixas quantidades de carboidrato, fibras alimentares e proteínas (1). Quanto ao teor de lipídeos, a castanha-do-brasil possui uma composição bem equilibrada em ácidos graxos: monoinsaturados (~25%), poli-insaturados (~21%) e saturados (~15%) (1, 4). Entretanto, como essa nóz também apresenta nutrientes que podem limitar a sua ingestão, a quantidade de lipídeos presente não é considerada significante.

Em relação ao perfil de micronutrientes, a castanha-do-brasil apresenta quantidades significativas de magnésio, cobre e zinco, destacando-se as altas concentrações e biodisponibilidade do selênio, motivo pelo qual esse alimento é considerado a fonte alimentar mais rica desse elemento(1). As concentrações de selênio na castanha-do-brasil, entretanto, dependem da concentração desse elemento no solo, e podem variar de 8 até 252,3 μg/g (1, 3, 5). Desse modo, é difícil estabelecer a quantidade total de selênio fornecida por uma nóz sem uma análise química para sua quantificação.

O selênio é um elemento considerado essencial para a saúde humana, exercendo suas funções biológicas na forma do aminoácido selenocisteina por meio da sua incorporação em selenoproteínas. Na literatura, as principais funções atribuídas ao selênio incluem sua atuação como antioxidante, no metabolismo dos hormônios tireoidianos, na proteção contra a ação nociva de metais pesados e xenobióticos, na redução do risco de doenças crônicas não transmissíveis, na melhora do sistema imune, ação neuroprotetora, na fertilidade e reprodução e na estabilidade genômica (6, 7) . A recomendação de ingestão diária (RDA) de Se para adultos é de 55 µg/dia e o limite máximo tolerável de ingestão (UL), 400 µg/dia (8).

Os primeiros estudos realizados no Laboratório de Nutrição – Minerais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF/USP) analisando dietas de diferentes regiões do Brasil mostraram  que as das regiões Norte e Nordeste apresentavam teores bem mais elevados de selênio quando comparadas com as do Centro Oeste e Sudeste. Tais resultados, nos levou a associar a concentração de selênio no solo dessas regiões com as observadas nas dietas e, posteriormente na castanha-do-brasil. Em seguida, buscou-se avaliar a biodisponibilidade desse elemento em estudos com seres humanos. Inicialmente, foi realizada uma avaliação em  uma comunidade de Macapá -PA, onde crianças recebiam habitualmente a farinha de castanha desengordurada como suplemento da dieta (9). A partir da constatação de que a concentração de selênio na castanha-do-brasil de fato era alta e com boa biodisponibilidade, uma vez que estas crianças apresentaram parâmetros bioquímicos de avaliação nutricional elevados, optou-se por utilizar esse alimento como fonte do mineral em outros estudos cujo objetivo era melhorar a capacidade antioxidante. Desse modo, observou-se efeitos positivos com a oferta de 1 nóz de castanha-do-brasil ao dia com concentrações de selênio que variaram de 290 a 400 μg /dia em pacientes que apresentavam um alto grau de estresse oxidativo como, por exemplo, na obesidade (10), na doença renal crônica (11, 12), no declínio cognitivo leve (13), no diabetes melitus tipo 2 (14), entre outras.

Em estudos recentes, verificou-se que algumas castanhas-do-brasil apresentavam altas concentrações de selênio (~100 a 200μg/g). Considerando que o consumo exagerado destas nozes poderia ultrapassar os limites toleráveis de ingestão, buscou-se neste contexto, avaliar os aspectos toxicológicos desta ingestão.

Nesse sentido, observou-se que a ingestão de 1261,4 μg/Se dia por meio de 1 castanha-do-brasil por dia durante dois meses por mulheres obesas, não apenas aumentou os biomarcadores sanguíneos do mineral, mas também a expressão gênica de marcadores pró-inflamatórios (TNF-α, IL-6, TLR2 e TLR4) (3).  Tais resultados, embora preliminares, sugerem uma certa cautela para o consumo de doses elevadas de selênio, seja por meio de alimentos ou suplementos, e mais estudos são necessários para investigar os possíveis mecanismos envolvidos nesta resposta.

Além disso, é Importante considerar que a castanha-do-brasil também possui outros componentes que também podem contribuir para essa atividade antioxidante, como os ácidos fenólicos (ácido gálico, vanilico e elágico) que estão presentes em maior quantidade na película marrom que envolve a nóz, e os flavonoides, protocianidinas e fitoesteróis (15).

Estudos realizados desde a década de 1980, mostraram que a castanha-do-brasil também pode conter metais pesados como o bário, estrôncio e rádio. No entanto, é preciso enfatizar que as quantidades encontradas não são preocupantes, e variam de acordo com a procedência das mesmas (1, 16, 17).

Por fim, a castanha-do-brasil é um alimento com grande potencial nutricional que deve ser consumida com moderação, podendo fazer parte de uma alimentação saudável e, consequentemente contribuir para a redução do risco e/ou melhora de doenças que envolvem uma maior produção de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Cardoso BR, Duarte GBS, Reis BZ, Cozzolino SMF. Brazil nuts: Nutritional composition, health benefits and safety aspects. Food Research International. 2017;100:9-18.
  2. Silva Junior EC, Wadt LHO, Silva KE, Lima RMB, Batista KD, Guedes MC, et al. Natural variation of selenium in Brazil nuts and soils from the Amazon region. Chemosphere. 2017;188:650-8.
  3. Duarte GBS, Reis BZ, Rogero MM, Vargas-Mendez E, Júnior FB, Cercato C, et al. Consumption of Brazil nuts with high selenium levels increased inflammation biomarkers in obese women: a randomized controlled trial. Nutrition. 2019.
  4. Yang J. Brazil nuts and associated health benefits: A review. LWT – Food Science and Technology. 2009;42(10):1573-80.
  5. Thomson CD, Chisholm A, McLachlan SK, Campbell JM. Brazil nuts: an effective way to improve selenium status. Am J Clin Nutr. 2008;87(2):379-84.
  6. Ferguson LR, Karunasinghe N, Zhu S, Wang AH. Selenium and its’ role in the maintenance of genomic stability. Mutation Research/Fundamental and Molecular Mechanisms of Mutagenesis. 2012;733(1):100-10.
  7. Roman M, Jitaru P, Barbante C. Selenium biochemistry and its role for human health. Metallomics. 2014;6(1):25-54.
  8. (IOM) IoM. Dietary Reference Intakes for Vitamin C, Vitamin E, Selenium, and Carotenoids. Washington (DC): National Academies Press (US); 2000 2000.
  9. Martens IBG, Cardoso BR, Hare DJ, Niedzwiecki MM, Lajolo FM, Martens A, et al. Selenium status in preschool children receiving a Brazil nut–enriched diet. Nutrition. 2015;31(11):1339-43.
  10. Cominetti C, de Bortoli MC, Purgatto E, Ong TP, Moreno FS, Garrido AB, et al. Associations between glutathione peroxidase-1 Pro198Leu polymorphism, selenium status, and DNA damage levels in obese women after consumption of Brazil nuts. Nutrition. 2011;27(9):891-6.
  11. Stockler-Pinto MB, Lobo J, Moraes C, Leal VO, Farage NE, Rocha AV, et al. Effect of Brazil nut supplementation on plasma levels of selenium in hemodialysis patients: 12 months of follow-up. J Ren Nutr. 2012;22(4):434-9.
  12. Stockler-Pinto MB, Mafra D, Farage NE, Boaventura GT, Cozzolino SM. Effect of Brazil nut supplementation on the blood levels of selenium and glutathione peroxidase in hemodialysis patients. Nutrition. 2010;26(11-12):1065-9.
  13. Cardoso BR, Apolinario D, Bandeira VS, Busse AL, Magaldi RM, Jacob-Filho W, et al. Effects of Brazil nut consumption on selenium status and cognitive performance in older adults with mild cognitive impairment: a randomized controlled pilot trial. Eur J Nutr. 2016;55(1):107-16.
  14. Pires LV. Efeito da suplementação com castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa H.B.K.) na expressão gênica de citocinas inflamatórias e sua relação com o estresse oxidativo em pacientes com diabetes mellitus tipo 1. São Paulo: Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo; 2012.
  15. John JA, Shahidi F. Phenolic compounds and antioxidant activity of Brazil nut (Bertholletia excelsa). Journal of Functional Foods. 2010;2(3):196-209.
  16. Gonçalves AM, Fernandes KG, Ramos LA, Cavalheiro ÉTG, Nóbrega JA. Determination and fractionation of barium in Brazil nuts. Journal of the Brazilian Chemical Society. 2009;20(4):760-9.
  17. Armelin MJA, Maihara VA, Cozzolino SMF, Silva PSC, Saiki M. Concentrations of Se, Ba, Zn and Mn in Brazil nuts. Brazilian Journal of Radiation Sciences. 2019;7(2A).