ILSI em Foco – agosto 2020 – artigo

Ômega-3 e cérebro: uma janela de oportunidades à nutrição

Profa. Nágila Raquel Teixeira Damasceno, PhD, MSc ( Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública – USP)

 

Desde a década de 70, a relação entre os ácidos graxos ômega-3 e a saúde cardiovascular tem sido foco de interesse científico. Os estudos seminais de Bang e Dyerberg (1976) propuseram que o consumo de peixes como fonte de ômega-3 foi inversamente associado à menor incidência de eventos cardiovasculares e mortalidade geral em esquimós. Ao longo dos últimos 50 anos, inúmeras evidências científicas têm mostrado que o ômega-3 e mais especificamente o ácido alfa-linolênico (ALA), eicosapentaenoico (EPA) e docosahexaenoico (DHA) modulam vias metabólicas que contribuem para otimizar o metabolismo lipídico, o controle pressórico e menor formação de placas ateroscleróticas tanto em modelos experimentais como em alguns ensaios clínicos. Apesar dessas evidências mecanísticas, algumas meta-análises e revisões sistemáticas tem mostrado impacto positivo na mortalidade geral e nos eventos cardiovasculares fatais ou não.

Além do papel na saúde cardiovascular, os ácidos graxos ômega-3 têm mostrado um interessante potencial em diversas funções cerebrais tanto na saúde como em diversas condições clínicas. O cérebro é segundo tecido corporal com maior teor de lipídeos em sua estrutura; cerca de 60% do seu peso é composto por lipídeos, sendo os principais o palmitato (16:0), ácido araquidônico (20:4 n-6) e docosahexaenoico – DHA (22:6 n-3). Esse último apresentando-se numa proporção 250-300 vezes superior ao EPA. Considerando ainda que 30-40% dos fosfolipídeos das membranas cerebrais são representados pelo DHA é bastante plausível que esse ácido graxo seja essencial ao bom funcionamento do cérebro nos diferentes ciclos da vida.  É consenso que o uso do DHA durante a gestação, lactação e primeiros anos de vida contribuem para um adequado desenvolvimento neurocognitivo.

No contexto de algumas doenças neurológicas degenerativas ou não, o uso dos ácidos graxos ômega-3 tem mostrado respostas significativas, sobretudo no contexto da Epilepsia, Alzheimer, Esclerose múltipla e Parkinson, embora os estudos tenham tamanho amostral modesto. Na epilepsia, as dietas hiperlipídicas ricas em gorduras poli-insaturadas têm mostrado eficácia clínica no controle das crises convulsivas e na redução de efeitos adversos no metabolismo lipídico em pacientes com pediátricos. Hipotetiza-se que parte da eficácia clínica no controle das crises seja consequência do efeito inibitório dos corpos cetônicos via modulação do ácido gama-amino butírico. Em paralelo, pacientes com Alzheimer e Esclerose múltipla com maior consumo e incorporação de ômega-3 têm mostrado melhor desempenho cognitivo e menor risco cardiovascular, respectivamente.

Importante destacar que alguns indivíduos com problemas na coagulação e sob uso de antiplaquetários, exigem uma atenção maior por parte do nutricionista e da equipe médica, uma vez que os ácidos graxos ômega-3 têm ação antiplaquetária; fato que pode favorecer a ocorrência de hematomas e hemorragias ao nível da microvasculatura.

Em conjunto e à luz das evidências científicas, o consumo de alimentos fonte de ômega-3 de origem animal e vegetal deve ser estimulado e na sua impossibilidade, a utilização de alimentos enriquecidos e suplementos pode ser uma alternativa para grupos específicos, sob supervisão nutricional.

 

  1. Dyall SC. Long-chain omega-3 fatty acids and the brain: a review of the independent and shared effects of EPA, DPA and DHA. Front Aging Neurosci. 2015;7:52.
  2. Moezifar M, Sayyah M, Zendehdel M, Gavzan H. Docosahexaenoic acid prevents resistance to antiepileptic drugs in two animal models of drug-resistant epilepsy. Nutr Neurosci. 2019;22(9):616-24.
  3. Pottala JV, Yaffe K, Robinson JG, Espeland MA, Wallace R, Harris WS. Higher RBC EPA + DHA corresponds with larger total brain and hippocampal volumes: WHIMS-MRI study. Neurology. 2014;82(5):435-42.
  4. Winesett SP, Bessone SK, Kossoff EH. The ketogenic diet in pharmacoresistant childhood epilepsy. Expert Rev Neurother. 2015;15(6):621-8.
  5. Freund-Levi Y, Basun H, Cederholm T, Faxén-Irving G, Garlind A, Grut M, et al. Omega-3 supplementation in mild to moderate Alzheimer’s disease: effects on neuropsychiatric symptoms. Int J Geriatr Psychiatry [Internet]. 2008;23(2):161–9.
  6. Jelinek GA1, Hadgkiss EJ, Weiland TJ, Pereira NG, Marck CH, van der Meer DM. Association of fish consumption and Ω 3 supplementation with quality of life, disability and disease activity in an international cohort of people with multiple sclerosis. Int J Neurosci 2013;23(11):792-800.
  7. Lima PA, Sampaio LP,Damasceno NR. Neurobiochemical mechanisms of a ketogenic diet in refractory epilepsy. 2014;69(10):699-705.
  8. Bang HO, Dyerberg J, Hojoorne N. The composition of food consumed by Greenland Eskimos. Acta Med Scand. 1976;200:69-73.