ILSI em Foco #2 / artigo

“Análise de risco: você já fez a sua hoje?”

Dra. Deise Maria Fontana Capalbo, pesquisadora na Embrapa Meio Ambiente

Em nosso dia-a-dia executamos muitas ações e tomamos muitas decisões, e nem sequer nos damos conta disso. Algumas vezes utilizamos nossa intuição e experiências anteriores; em outras, alguém ou alguma instituição toma a decisão que influencia nossas vidas. Tomar ou não um empréstimo? Dar ou não esse empréstimo? Comprar um imóvel? Que marca de carro adquirir? Comer um pão integral ou um de farinha branca? Dar ou não uma bala para uma criança? Tomar ou não uma vacina? Qual o momento para atravessar a rua?

Essas questões te soam familiares? Já se deu conta de quantas vezes por dia você as enfrentou? Pois, para mim, soam quotidianas! Quase sem nos darmos conta, ponderamos os prós e contras, de uma forma organizada, para poder chegar a uma conclusão. Já pensou qual o seu histórico de uso nessas várias situações? Nossa vida está lotada desses exemplos!

Esse processo de comparar prós e contras é conhecido como “análise de risco”, e embora a maioria de nós não se dê conta, ele é estudado no mundo todo e utilizado nas organizações para tomada de decisões importantes, e se baseia em estatística e ciência (Aven & Zio, 2014). É usado na saúde, na área financeira, na regulamentação de trânsito (terrestre, marítimo e aéreo) entre outros.

Dada a importância dessa metodologia, ela é detalhada e estudada e as definições são apresentadas em documentos revisados por especialistas para que haja transparência e confiança na sua aplicação (Andow et al 2013) – seja em qual for o seu campo de uso.

Um exemplo do meu dia-a-dia de trabalho é a “análise de risco” realizada para avaliar se uma nova planta geneticamente modificada (GM) é segura para ser utilizada no campo ou como alimento. Assim como a Embrapa, onde trabalho, realizou essa análise antes de propor o feijão GM, outras empresas do setor agrícola, de saúde animal e humana – para citar alguns exemplos – também o fazem para seus produtos GM. E mais, a CTNBio (órgão responsável pela autorização dessas plantas, animais, vacinas e alimentos no Brasil) também o utiliza.

Bem, mas aqui não vamos discutir extensivamente métodos e conceitos certo? Então, porque falei tanto dessa tal Análise de Risco? É que itens decisórios importantes para os governos e organizações precisam ser muito bem definidos (ser transparente), estabelecidos em processos organizados e ter etapas bem caracterizadas que permitam uma tomada de decisão sem vieses, garantindo o máximo de acerto na decisão final, para que a população tenha sua segurança garantida. E isso tem tudo a ver com cada um de nós!

Assim como a “Análise de risco”, outros conceitos, termos e processos precisam ser claramente expostos e definidos. E isso acontece também para outros termos como “familiaridade” e “histórico de uso seguro”, que eu até já usei aqui nesse artigo. Parecem coisas banais ficarmos discutindo definições para palavras das quais temos uma ideia do que significam.  Mas isso é essencial para as organizações formais que tomam decisões por países ou regiões, e cujas conclusões afetarão populações inteiras. O entendimento das palavras tem que ser igual para todos e em todas as situações, garantindo a tal da transparência e a segurança da decisão final.

Mas você deve estar se perguntando, agora, o que tem a ver “familiaridade” com “histórico de uso seguro” e com “analise de risco”? Tem tudo a ver, pois na estrutura formal de uma Análise de Risco, a primeira etapa é entender qual o problema provocado pelo item que está sendo analisado (a “formulação do problema”). E isso inclui estabelecer quais os perigos ou danos potencialmente em jogo, e em que condições eles podem acontecer (etapa chamada de “hipóteses de risco”) (Uyen et al 2008). E é justamente nessa fase que a familiaridade que o analista tem com o assunto e com o objeto em análise (no nosso caso, com a planta GM e o que foi modificado nela) (OECD, 1993; OECD 2006), e o conhecimento acumulado sobre seu uso seguro (Constable et al 2007) fazem toda a diferença. Quanto mais familiarizado com o tema e quanto mais dados existirem sobre o seu uso seguro, mais ou menos perguntas se farão necessárias para permitir estabelecer que o produto é seguro (ou não).

Se você conseguiu entender esse imbróglio de termos e o raciocínio por trás de uma análise de risco, você já está apto a tomar a sua própria decisão sobre a seriedade do órgão que a toma, por toda a população brasileira, quanto à segurança de uma nova planta (ou vacina, ou microrganismo, ou alimento) geneticamente modificada. O assunto é coisa séria. E como tentei esclarecer, a definição clara de termos e linguagem que são utilizados nesses processos de decisão, é coisa que merece muito cuidado.

Essas discussões para vermos claramente definidos os termos utilizados nesses processos, são algumas das atividades que o ILSI Brasil e ILSI Argentina vem desenvolvendo ao longo dos anos (Capalbo et al 2018), sendo que a última delas foi realizada em abril em Tarragona, na Espanha, durante o Simpósio Internacional sobre Biossegurança que reuniu mais de 300 especialistas em biossegurança de diversos países.  É que a biossegurança faz uso da análise de risco de organismos geneticamente modificados… mas isso terá que ficar para outro momento de nossa conversa.

Apenas para concluir essa nossa conversa, queria reforçar o papel da familiaridade (conhecimento e experiência acumulados) na evolução dos critérios de uma análise de risco. É muito importante ter bem identificados os contextos (uma soma da familiaridade e do histórico de uso seguro) em que se analisam as novas tecnologias e ou produtos, para que se comunique à população os reais perigos.

 

ANDOW, D.; LOVEI, G. L.; ARPAIA, S.; WILSON, L. ; FONTES, E M G ; HILBECK, A ; LANG, A. ; TUAT, N. V. ; PIRES, C S S ; SUJII, E R ; ZWAHLEN, C. ; BIRCH, A N E ; CAPALBO, D. M. F. ; PRESCOTT, K. ; OMOTO, C. ; ZEILINGER, A. R. . An ecologically-based method for selecting ecological indicators for assessing risks to biological diversity from genetically-engineered plants. Journal of Biosafety, v. 22, p. 141-156, 2013.

AVEN T., ZIO E. – Foundational Issues in Risk Assessment and Risk Management. Risk Analysis, Volume 34, Issue 7, July 2014, Pages 1164-1172  https://doi.org/10.1111/risa.12132

CAPALBO, D. M. F.; ABRAHÃO, O. S.; RUBINSTEIN, C. P.; MODENA, N.   Conceito de familiaridade na avaliação de risco – experiência das Américas.  In: ENCONTRO NACIONAL DAS COMISSÕES INTERNAS DE BIOSSEGURANÇA, 11.; ENCONTRO BIENAL DE BIOSSEGURANÇA, 8., 2018, Vitória. Resumos… Vitória: UFES, 2018.  p. 45.

CONSTABLE, A.; D. JONAS, A. COCKBURN, A. DAVID, G. EDWARDS, P. HEPBURN, C. HEROUET-GUICHENEY, M. KNOWLES, B. MOSELEY, R. OBERDÖRFER, F. SAMUELS. History of safe use as applied to the safety assessment of novel foods and foods derived from genetically modified organisms. Food Chem Toxicol. 2007 Dec; 45(12):2513-25.

OECD. Safety considerations for biotechnology: scale-up of crop plants. 1993

OECD Consensus Documents. Novel Food and Feed Safety SET 1: Safety Assessment of Transgenic Organisms OECD Volumes 1 and 2. OECD Publishing, 2006.

UYEN, N. V. ; CHI, N. V. ; BO, N.V. ; SAT, L.M. ; NHAN, H. T. ; HONG, N. X. ; QUYEN, L.Q. ; WALS, A. ; CAPALBO, D. M. F. ; NELSON, K. . Consideration of Problem Formulation and Option Assessment (PFOA) for Environmental Risk Assessment: Bt cotton in Vietnam. In: Tuat,i; Andow, D.; Hilbeck, A.. (Org.). Environmental Risl Assessment of Genetically Modified Organisms. Bt cotton in Vietnam. Wallingford: CABI Publishing, 2008, v. 4.